O governo brasileiro estuda a aquisição de usinas nucleares flutuantes da estatal russa Rosatom, como parte de um plano de expansão da cooperação bilateral no setor de energia atômica.

A iniciativa, segundo a Folha de S. Paulo, tem como foco regiões isoladas, especialmente na Amazônia, e foi mencionada por Ivan Dibov, diretor da Rosatom para a América Latina. “Temos muito interesse em ampliar nossa cooperação”, afirmou o executivo.

A Rosatom mantém presença no Brasil desde 2015, com atuação em medicina nuclear e fornecimento de urânio enriquecido. Em 2023, venceu duas licitações para suprir a usina de Angra pelos próximos cinco anos, em contratos estimados em US$ 140 milhões. Em março, a estatal firmou parceria com o Brasil para explorar urânio na mina de Caetité, na Bahia.

A proposta de implantação dos chamados pequenos reatores modulares (SMRs) foi confirmada pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira.

“Os pequenos reatores, inclusive os modelos flutuantes, podem oferecer soluções seguras e estáveis para regiões de difícil acesso, como a Amazônia. Temos mantido um diálogo técnico produtivo com a Rosatom”, declarou.

A estatal russa foi a primeira a colocar em operação uma usina flutuante, a Acadêmico Lomonosov, em 2020. O projeto, instalado no Ártico russo, substituiu centrais obsoletas e uma termoelétrica movida a combustíveis fósseis. A unidade gerou críticas de organizações como o Greenpeace, que a rotulou de “Chernobil flutuante”, apontando riscos ambientais.

Durante visita à Rússia em maio, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) expressou apoio à ampliação da parceria. “Temos interesse em discutir sobretudo a área energética. Temos muito interesse em estabelecer a relação com a Rússia nas pequenas usinas nucleares”, disse Lula, em reunião bilateral com o presidente Vladimir Putin.

Segundo projeções da Rosatom, o Brasil poderia receber até 12 reatores modulares na região amazônica até 2035, com capacidade de geração de 0,6 gigawatts (GW). Outros 10 reatores flutuantes seriam instalados na costa do Nordeste, acrescentando mais 0,5 GW. Esses projetos juntos representariam aproximadamente metade da atual capacidade instalada da matriz nuclear brasileira.

A instalação de usinas flutuantes exige regulação específica. A primeira unidade da Rosatom levou dez anos para entrar em operação e contou com autorização especial da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). O orçamento inicial, de US$ 340 milhões, subiu para cerca de US$ 870 milhões. Atualmente, estima-se que novos projetos possam ser concluídos em dois a três anos, embora os custos atuais não tenham sido divulgados.

Silveira também apontou que os reatores compactos podem atender à crescente demanda de setores como datacenters, que exigem fornecimento constante de energia. Na Amazônia, apesar da presença de grandes hidrelétricas, parte significativa da população depende de termoelétricas a diesel e da energia importada da Venezuela, como ocorre em Roraima. A energia nuclear responde atualmente por apenas 1,2% da matriz elétrica brasileira.

O Brasil detém a sétima maior reserva mundial de urânio e possui tecnologia para dominar todas as etapas do ciclo de enriquecimento. No entanto, o país ainda envia o minério intermediário (“yellowcake”) para processamento no exterior. Desde 2023, a Rosatom é a principal parceira do Brasil nesse processo.

O contrato mais recente entre Brasil e Rosatom prevê o envio de 275 mil quilos de urânio natural extraído na Bahia até 2027. O material será devolvido enriquecido, pronto para uso como combustível nuclear.

De acordo com Dibov, a parceria visa diversificar o fornecimento de urânio diante de instabilidades geopolíticas. Além do Brasil, a Rosatom também negocia mineração do metal com Tanzânia e Namíbia. Atualmente, a Rússia importa cerca de 40% do urânio que consome, principalmente do Cazaquistão.

Questionado sobre eventual participação da estatal no fornecimento de combustível para o futuro submarino nuclear brasileiro, Dibov respondeu que “temos o melhor produto e o melhor preço”, mas negou envolvimento direto nesse projeto. No mercado, estima-se que o urânio enriquecido russo seja até 50% mais barato do que o de fornecedores ocidentais.

Outro tema de interesse para a estatal é a conclusão da usina nuclear de Angra 3, cuja obra está paralisada desde que consumiu cerca de R$ 12 bilhões. Segundo o executivo, “Angra 3 é um assunto complexo. Estamos abertos a discutir, temos grande experiência, mas no momento nosso foco são os projetos próprios”.

A empresa também vê oportunidade de fornecer usinas nucleares de grande porte ao Brasil, já que existe legislação nacional que permite a construção dessas instalações.

Dibov destaca que os reatores nucleares podem ajudar o país a cumprir metas climáticas, com o argumento de emissão zero de gases do efeito estufa, conforme também sustenta a AIEA.

O setor nuclear internacional vive um novo ciclo de expansão desde o desastre de Fukushima, em 2011. Recentemente, o Banco Mundial retirou o veto a financiamentos para projetos nucleares, incluindo os pequenos reatores modulares. Esse movimento abre espaço para novas iniciativas como a que o Brasil agora avalia junto à Rússia.

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Last Update: 27/06/2025