No último mês, o Governo Federal editou o Decreto nº 12.424, que institui o Conselho Deliberativo do Fundo Social do Pré-Sal (FS). O que poderia ser um passo importante para politizar a gestão do fundo e garantir transparência na destinação dos recursos acabou se revelando um equívoco do governo Lula 3: a criação de um conselho deliberativo sem a presença da sociedade civil, afastando justamente aqueles que mais deveriam participar da definição sobre o uso de um fundo concebido para promover o desenvolvimento nacional, regional e local.
O Fundo Social do Pré-Sal é uma espécie de poupança social, criada pela Lei nº 12.351/2010, que arrecada recursos provenientes dos royalties e da comercialização do petróleo no país. Dada sua relevância e o montante previsto de arrecadação, entidades estudantis nacionais — ANPG, UNE e UBES — protagonizaram a luta que garantiu que parte significativa desses recursos fosse destinada à educação, como forma de garantir o cumprimento da meta de investimento de 10% do PIB no setor. Graças à mobilização política, foi aprovada a destinação de 37,5% dos recursos para a educação, 12,5% para a saúde, e os 50% restantes, ainda sem regulamentação específica, podem contemplar áreas como cultura, esporte, meio ambiente e ciência e tecnologia.
Com o objetivo de viabilizar o uso desses recursos em programas como o Minha Casa Minha Vida, permitindo a ampliação da renda familiar máxima para acesso ao benefício, o governo federal editou a Medida Provisória nº 1.291/2025, incluindo novas áreas de aplicação: mitigação e adaptação às mudanças climáticas, infraestrutura social e habitação de interesse social. Em outro instrumento, um Decreto Presidencial (12424/2025), instituiu o Conselho Deliberativo do Fundo Social, composto exclusivamente por representantes dos ministérios da Casa Civil, da Fazenda e das Cidades.
É justamente aí que reside o equívoco. A ausência de ministérios com interesse direto, como os da Educação, da Saúde e da Ciência, Tecnologia e Inovação, já é preocupante. Ainda mais grave é a exclusão da participação social — especialmente dos estudantes brasileiros, que historicamente protagonizaram a defesa do pré-sal como patrimônio do povo. O resultado é um conselho com caráter excessivamente técnico e burocrático, esvaziado de representatividade democrática.
A participação social na gestão do fundo é mais que desejável — é essencial. Ela representa, de início, a possibilidade de imprimir um caráter político mais avançado à destinação dos recursos. Além disso, cria-se uma camada de proteção democrática, capaz de salvaguardar os interesses sociais frente às oscilações da conjuntura política. Segundo estimativas do Tribunal de Contas da União (TCU), até 2032, o fundo poderá arrecadar mais de R$ 968 bilhões. E se, porventura, o campo democrático e progressista não vencer as próximas eleições presidenciais? Estaríamos dispostos a correr o risco de ver esses recursos destinados a finalidades alheias ao interesse público, como já ocorreu recentemente?
Uma auditoria do TCU comprovou que, durante o governo Bolsonaro, ocorreram graves irregularidades na gestão do fundo: 1) divergências de até R$ 500 milhões nos registros dos royalties entre a ANP e o sistema SIAFI/Tesouro; e 2) uso indevido de R$ 68 bilhões para o pagamento da dívida pública, em completo desvio de finalidade.
Dois bons exemplos de como a participação social pode proteger políticas públicas são o Conselho Nacional de Saúde e o Conselho Superior da CAPES. Mesmo nos difíceis anos de 2016 a 2022, essas instâncias resistiram ao desmonte de políticas públicas graças à presença ativa da sociedade civil.
A atual composição do Conselho Deliberativo do Fundo Social vai na contramão do legado de participação dos governos Lula e Dilma, bem como do projeto político vencedor nas eleições de 2022. Ao excluir os estudantes e outros representantes sociais, enfraquece-se a perspectiva de que o pré-sal seja motor de um desenvolvimento nacional sustentável, com a educação no centro.
Diante disso, é imperativo que o governo federal reoriente politicamente o Fundo Social, restaurando seu caráter democrático e estratégico para a reconstrução do país. O fundo deve ser um instrumento para induzir políticas públicas estruturantes, sobretudo em áreas como educação e ciência e tecnologia — pilares de um projeto nacional soberano. Entre as ações prioritárias, poderíamos destacar a valorização dos jovens pesquisadores, com a garantia dos direitos previdenciários para mestrandos e doutorandos. Além disso, o Fundo Social pode suprir as demandas financeiras urgentes das universidades públicas, contribuindo para recomposição orçamentária e a continuidade da reestruturação. Também é essencial que esse recurso possa financiar de forma robusta a Política Nacional de Assistência Estudantil, assegurando as condições de permanência dos estudantes no Ensino Superior.
Portanto, a reconfiguração do Conselho Deliberativo do Fundo Social com a inclusão da sociedade civil é uma decisão política coerente com os compromissos de campanha e com os desafios nacionais que compreendem a importância da reconstrução das políticas públicas após os últimos anos “negacionistas”. Sem a participação social, o Brasil arrisca repetir um passado em que nossas riquezas, como o pau-brasil, cana-de-açúcar e ouro, foram exploradas sem jamais se converterem em bases sólidas para um projeto de país soberano, independente e justo.