O governo Tarcísio de Freitas quer implementar o modelo cívico-militar em até 100 escolas da rede estadual ainda este ano. Apesar do discurso oficial de “reforço nos valores de civismo e disciplina”, o projeto enfrenta resistência de educadores, que apontam desvio de função da Polícia Militar e risco à liberdade pedagógica.

Das 5,3 mil escolas da rede estadual, apenas 300 demonstraram interesse na adesão. A consulta pública será realizada entre 10 e 24 de março, e a votação definirá quais unidades irão para a próxima fase. A lista oficial das selecionadas sai até 15 de abril, e as aulas começam em 28 de julho.

Caso mais de 100 escolas tenham votação favorável, o governo usará critérios de desempate. Entre eles, a proximidade com outra unidade que não aderiu ao modelo, o número de votos válidos (mínimo de 50% + 1 dos votantes) e a oferta de mais níveis de ensino, contemplando tanto o Fundamental quanto o Médio.

PMs da reserva como monitores

Com a implementação do modelo, cada escola cívico-militar contará com ao menos um policial militar da reserva como monitor. O custo desse efetivo já está previsto no orçamento da Secretaria da Educação, que destinará R$ 7,2 milhões anuais para o pagamento dos militares.

A legislação aprovada na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) em maio de 2024, no entanto, gera preocupação, porque prevê a remuneração de mais de R$ 6 mil para jornadas de 40 horas semanais, com possibilidade de aumento de 50% para coordenadores ou oficiais, chegando a R$ 9 mil. O valor superaria a média salarial de professores da rede estadual, que, segundo dados da Apeoesp, é de aproximadamente R$ 5 mil para uma carga horária semelhante, motivo de crítica dos sindicatos.

À época, o Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp) criticou o modelo por representar um “desvio de recursos da educação” e uma tentativa de “formatar as mentes de crianças e jovens dentro do pensamento único do militarismo”. “Vamos nos mobilizar para impedir a transformação de escolas regulares em escolas cívico-militares”, manifestou o sindicato, em nota.

Além de reforçar regras de comportamento e disciplina, os monitores terão a função de apoiar a gestão escolar no combate à indisciplina. No caso das escolas municipais, a seleção dos PMs ficará a cargo das prefeituras, com suporte da Secretaria de Segurança Pública.

“Valores do cidadão”

A proposta integra o projeto “Valores”, que inclui aulas de política, ética e “valores do cidadão”. Com uma carga horária de duas horas por turma, o programa propõe ensinar civismo, dedicação, excelência e respeito, além de abordar o funcionamento dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.

O professor da USP Daniel Cara, no entanto, vê no modelo um ataque direto à liberdade de cátedra e uma herança do projeto “Escola sem Partido”. “O objetivo é intimidar os estudantes, desestimular a educação e impor uma ideologia dentro do ambiente escolar que favorece a militarização da sociedade”, disse em entrevista ao programa Em Detalhes, do ICL, no ano passado.

O PSOL também criticou a medida, classificando-a como uma “clara desvalorização dos educadores”. O partido aponta ainda que o governo estadual estaria invadindo a “competência exclusiva da União para legislar sobre educação” e deslocando a função da PM para um campo que não lhe pertence.

A implantação do modelo chegou a ser suspensa pela Justiça paulista em agosto de 2023, mas a decisão foi revertida pelo ministro Gilmar Mendes, do STF, três meses depois. Em maio de 2024, o governador Tarcísio de Freitas sancionou a lei que institui o programa, apesar da falta de evidências sobre sua eficácia na melhoria da qualidade do ensino.

O governo estadual afirma que “a implantação do novo modelo não exclui nenhum programa da Secretaria de Educação em andamento” e que a proposta visa apenas complementar as ações pedagógicas, promovendo valores como civismo e respeito.

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Last Update: 21/02/2025