Governo central faz ajuste de R$ 259 bilhões em 12 meses
por Lauro Veiga Filho
Sob domínio total do setor financeiro, o noticiário econômico tratou de ignorar as séries de estatísticas divulgadas nesta semana pelo Banco Central (BC) sobre as contas do setor público consolidado e, muito em particular, sobre os avanços operados pelo governo central na gestão de suas contas ao longo dos últimos 12 meses. O déficit primário de todo o setor público, incluindo governo federal, Previdência, o próprio BC, governos estaduais, prefeituras e estatais, desabou 94,67% entre os 12 meses concluídos em março do ano passado e os 12 meses seguintes, encolhendo de R$ 252,869 bilhões para R$ 13,474 bilhões no dado de março deste ano. Quer dizer, operou-se um corte de R$ 239,395 bilhões sobre o resultado primário, que, como se sabe, não inclui a “gastança” dos juros, em todo o setor público, num “ajuste” que foi ainda mais intenso quando consideradas isoladamente as contas do governo central.
Como proporção do Produto Interno Bruto (PIB), nas estimativas do BC, o déficit público total caiu de 2,30% para nada menos do que 0,11%, correspondendo a um resultado meramente residual, que não parece referendar a retórica de descontrole e verdadeiro caos fiscal alardeada pela “quadrilha austericida”. Na prática, ocorreu um ajuste correspondente a 2,19 pontos percentuais sobre o PIB durante aquele período, explicado integralmente pela retração observada para o déficit do governo central – instância que reúne as contas sob a gestão direta da Secretaria do Tesouro Nacional (STN), o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), responsável pelo atendimento a aposentados e pensionistas, e o BC, que enfrentou perdas no mercado de swap (troca) cambial e afetou seu resultado nominal especialmente no ano passado.
O saldo negativo entre receitas e despesas, ainda sem incluir os juros, no âmbito do governo central despencou 94,66% entre os dois períodos analisados neste espaço, murchando de R$ 273,424 bilhões, algo como 2,49% do PIB, para R$ 14,601 bilhões, em torno de 0,12% do PIB. Em valores absolutos, consolidou-se uma redução de R$ 258,823 bilhões naquela mesma comparação. Proporcionalmente, tomando o valor nominal do PIB como referência, foi aplicado um ajuste nada desprezível de 2,37 pontos percentuais.
Sete vezes maior
Há um “detalhe” em geral ignorado na composição daquele resultado. A equação inclui um salto de quase sete vezes para o superávit primário do governo federal, sem contabilizar os dados do BC e da Previdência. Historicamente, salvo em alguns períodos de crise, o governo federal sempre tem operado com saldo positivo entre receitas e despesas, contrariando o mantra da “gastança” alimentado pela “esquadrilha austericida”. Mas, o superávit disparou literalmente, saltando de R$ 37,624 bilhões no acumulado entre abril de 2023 e março de 2024 para R$ 287,383 bilhões nos 12 meses encerrados em março deste ano, o que significou alta de 663,83%. Mais precisamente, o ganho atingiu R$ 248,759 bilhões, o que permitiu elevar a relação entre aquele saldo e o PIB de apenas 0,34% para 2,40%.
O desempenho fiscal do governo central foi favorecido ainda pelo recuo de 3,05% no déficit de Previdência, que saiu de R$ 310,357 bilhões até março do ano passado para R$ 300,877 bilhões nos 12 meses seguintes (uma “economia” de R$ 9,480 bilhões). Numa possibilidade ainda a ser comprovada, a ligeira melhora pode estar relacionada à reforma previdenciária mais recente, editada em 2019, que promoveu redução de aposentarias e pensões e acabou levando trabalhadores na ativa a adiar pedido de aposentadoria.
O “tropeço” do BC
Tão persistente nas cobranças de atenção à política fiscal endereçadas ao Ministério da Fazenda, especialmente no ano passado, o BC aumentou seu déficit primário em 60%, de R$ 690,667 milhões para R$ 1,106 bilhão. Os governos regionais tiveram o superávit primário reduzido em 61,48%, de R$ 23,263 bilhões para R$ 8,962 bilhões, numa redução concentrada ao longo de 2024 (já que o superávit voltou a crescer no primeiro trimestre deste ano, subindo quase 8,90% em relação aos mesmos três meses de 2024).
Apesar da escalada dos juros…
A redução no déficit primário de todo o setor público compensou o avanço de 25,38% nas despesas com juros, que saíram de R$ 745,743 bilhões nos 12 meses encerrados em março de 2024 para R$ 935,004 bilhões no período seguinte (variando R$ 189,261 bilhões). A relação entre juros e PIB avançou de 6,79% para 7,80%, na contramão do ajuste aplicado a receitas e despesas primárias. Sozinho, o BC aumentou suas despesas com juros em quase R$ 56,061 bilhões, elevando-as de R$ 85,969 bilhões para R$ 142,030 bilhões, o que correspondeu a um incremento nominal de 65,21%.
O salto nos gastos com juros quase pôs a perder todo o esforço realizado nas contas primárias. A despeito das pressões geradas, o setor público conseguiu reduzir marginalmente o seu déficit nominal (receitas menos despesas, agora com a inclusão dos gastos dos juros) em praticamente 5,0%, de R$ 998,612 bilhões para R$ 948,478 bilhões – quer dizer, em torno de R$ 50,134 bilhões a menos. Em relação ao PIB, o déficit nominal baixou de 9,09% para 7,92%.
Ganho duradouro
A escolha de um período mais alongado no tempo permite diluir o impacto de fatores de curtíssimo prazo no desempenho das contas fiscais, como por exemplo, os efeitos sobre a execução orçamentária do atraso na aprovação do orçamento deste ano e ainda de postergações eventuais de algumas linhas de despesas. No primeiro trimestre deste ano, apenas como referência, o governo central acumulou um superávit de R$ 53,328 bilhões, o que significou um salto de 142,66% sobre o saldo positivo de R$ 21,564 bilhões realizado nos mesmos três meses do ano passado. Houve, portanto, uma melhora equivalente a R$ 30,764 bilhões no primeiro quarto deste ano, o que, no entanto, correspondeu a menos de 11,9% do ganho acumulado em 12 meses nesta mesma área, o que parece reafirmar o caráter mais duradouro dos avanços já contabilizados na área fiscal.