Em um gesto diplomático calculado, mas carregado de insatisfação, o governo brasileiro enviou nesta quarta-feira (16) uma carta oficial ao governo dos Estados Unidos cobrando explicações e abertura para o diálogo diante da decisão unilateral do presidente Donald Trump de aplicar uma tarifa de 50% sobre todas as exportações brasileiras a partir de 1º de agosto. A comunicação é assinada pelo vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Geraldo Alckmin, e pelo chanceler Mauro Vieira, e tem como destinatários diretos o secretário de Comércio norte-americano, Howard Lutnick, e o representante de Comércio dos EUA, Jamieson Greer.
A carta marca um novo capítulo na escalada diplomática e comercial entre os dois países, mas também revela os bastidores de uma tentativa brasileira de negociação abortada por Washington. O documento menciona que, ainda em maio de 2025, o Brasil teria apresentado uma minuta confidencial de proposta de entendimento comercial, e que até agora não houve qualquer resposta dos EUA.
Indignação e tentativa de preservar pontes
A carta, que integra uma nota conjunta divulgada pelos ministérios das Relações Exteriores e do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, adota um tom diplomático, mas não esconde o descontentamento brasileiro com o que considera uma medida desproporcional e economicamente destrutiva.
“O Governo brasileiro manifesta sua indignação com o anúncio […] da imposição de tarifas de importação de 50% sobre todos os produtos exportados pelo Brasil para os Estados Unidos”, diz o texto.
Alckmin e Mauro Vieira afirmam que a decisão coloca em risco setores estratégicos das duas economias e “destrói um dos pilares da cooperação bilateral” construído ao longo de dois séculos de relações diplomáticas.
Ao mesmo tempo, o governo brasileiro evita adotar uma postura de confronto direto. O documento reitera o compromisso do Brasil com a negociação e reforça que o país segue “pronto para dialogar com as autoridades americanas e negociar uma solução mutuamente aceitável”.
Brasil cobrou diálogo — e foi ignorado
A revelação mais significativa da carta está no quarto parágrafo, que denuncia, de forma sutil porém contundente, a falta de reciprocidade dos EUA nas tratativas diplomáticas. Segundo o governo, a minuta apresentada em 16 de maio abordava áreas estratégicas para reequilibrar o comércio bilateral e criar um ambiente mais cooperativo. A proposta, até agora, segue sem resposta formal de Washington.
A acusação explicita uma postura de rejeição deliberada ao diálogo por parte da Casa Branca, o que mina o discurso do governo Trump de que a medida tarifária se justificaria por supostas “práticas comerciais desleais” do Brasil. O governo Lula rebate essa alegação com dados concretos: um déficit acumulado de quase US$ 410 bilhões em favor dos Estados Unidos ao longo dos últimos 15 anos.
Implicações estratégicas: retaliação ou contenção?
A carta também pode ser lida como um último apelo antes da aplicação de retaliações unilaterais por parte do Brasil, como a suspensão de patentes, royalties e privilégios tributários de empresas norte-americanas — hipóteses já ventiladas por membros do governo e previstas na recém-regulamentada Lei de Reciprocidade Econômica.
Ao insistir na abertura do diálogo, o Brasil busca legitimar sua postura internacionalmente, apresentando-se como parte interessada em uma solução negociada, enquanto expõe a rigidez e o unilateralismo da atual política externa norte-americana.
“O Brasil permanece pronto para dialogar […] com o objetivo de preservar e aprofundar o relacionamento histórico entre os dois países e mitigar os impactos negativos da elevação de tarifas”, conclui a carta.
Diplomacia de responsabilidade x geopolítica de intimidação
A iniciativa do Brasil de documentar e tornar pública a carta diplomática enviada aos EUA tem peso simbólico e estratégico. O governo aposta em uma diplomacia de responsabilidade, institucionalidade e pragmatismo, contraposta a uma política externa cada vez mais autoritária e transacional conduzida por Trump em seu segundo mandato.
A mensagem é clara: o Brasil não será o agressor, mas também não ficará inerte diante de um ataque frontal a sua economia, sua soberania e seus princípios democráticos — como já expressou o procurador-geral Jorge Messias em artigo recente no New York Times.
Com a escalada da crise comercial, o próximo movimento dependerá da resposta — ou silêncio — dos EUA. A depender do desfecho, o Brasil pode inaugurar um novo modelo de retaliação internacional via propriedade intelectual, abandonando a lógica simplista da guerra tarifária. Mas, por ora, o governo brasileiro ainda estende a mão do diálogo — e aguarda o que virá de Washington.