Presidente do instituto afirma que ressarcimento ocorrerá diretamente na folha e admite possível uso de verba pública para cobrir prejuízo estimado pela CGU
O governo federal estuda alternativas para devolver valores descontados de forma indevida de aposentados e pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
Segundo o presidente do órgão, Gilberto Waller Júnior, uma das possibilidades em análise é o uso da estrutura dos Correios para viabilizar a operação. A medida ainda não tem formato definido, e o número exato de beneficiários atingidos está em apuração.
De acordo com os primeiros levantamentos do instituto, a irregularidade teria alcançado menos de 4 milhões de beneficiários, dentro de um universo de aproximadamente 40 milhões de pagamentos.
“A determinação do presidente Lula é fazer de uma forma que dê menos trabalho ao usuário”, afirmou Waller, em entrevista ao jornal O Globo.
O plano do governo inclui o uso de canais oficiais, como o aplicativo Meu INSS e a Central 135. Também está em estudo o apoio de instituições com ampla presença no território nacional. “Não cabe a ele [o beneficiário] ficar procurando se tem inscrição ou não. Cabe à administração pública”, declarou.
O processo de devolução deverá ser homologado judicialmente. Segundo Waller, todas as opções que envolvem órgãos com credibilidade estão sendo consideradas. “No momento, toda e qualquer ajuda de órgãos sérios, órgãos capilarizados, é possível. Não se descarta nenhum auxílio”, disse.
Dados da Controladoria-Geral da União (CGU) indicam que os descontos indevidos chegaram a R$ 6,3 bilhões entre 2019 e 2024. As cobranças foram feitas por entidades associativas, como sindicatos, que deveriam prestar serviços como assessoria jurídica ou atividades sociais. O total de filiações identificadas é de cerca de 4,1 milhões, mas o governo ainda analisa qual parte efetivamente configura fraude.
“Não chega a R$ 6,3 bilhões”, afirmou Waller, ao destacar que há beneficiários com múltiplos descontos. “Uma mesma pessoa pode ter sido vítima de duas, três, quatro instituições”, completou.
Segundo o presidente do INSS, algumas empresas fictícias realizaram os descontos, interromperam os repasses após reclamações e retomaram as cobranças por meio de outras associações. Diante desse cenário, o plano do governo é realizar os ressarcimentos diretamente na folha de pagamento dos aposentados e pensionistas.
“Entendemos que essa é a maneira mais segura, inclusive para não ter intermediário e para o beneficiário não precisar ir a uma agência bancária”, afirmou. No entanto, ele informou que a devolução não ocorrerá de imediato, pois há necessidade de procedimentos preparatórios.
Apesar da pressão do Palácio do Planalto por uma resposta rápida, ainda não há data definida para o anúncio oficial do plano.
Uma reunião sobre o tema foi realizada na segunda-feira, 5, mas terminou sem decisão final. O presidente Lula deve tratar do assunto durante viagem à China, onde será apresentado a propostas elaboradas pelo ministro da Casa Civil, Rui Costa.
Waller destacou que cerca de 33 milhões de beneficiários não foram afetados pelos descontos e que não é necessário procurar atendimento nas agências.
“Não têm chance alguma”, disse. Ele também explicou que, mesmo com incerteza sobre o valor a ser devolvido, o governo já obteve bloqueios judiciais de bens das entidades envolvidas e de seus dirigentes. Ainda assim, admitiu que poderá ser necessário uso de recursos públicos. “Dependendo do tamanho do rombo, com certeza [será necessário dinheiro público]”, declarou.
O INSS instaurou 13 Processos Administrativos de Responsabilização (PAR) com base na Lei Anticorrupção contra entidades suspeitas de envolvimento nas cobranças.
Os processos devem ser concluídos em até 180 dias e podem resultar em sanções civis e administrativas. Como medida preventiva, todos os repasses do INSS a entidades associativas foram suspensos, inclusive aqueles destinados a instituições que não estão sob investigação.
Sobre a possibilidade de retorno das deduções no futuro, Waller afirmou que, se isso ocorrer, será necessário recomeçar todo o processo de cadastramento. “O cadastro tem que ser feito novamente. O que foi feito no passado não funciona, inclusive coloca o segurado à mercê de fraudadores”, afirmou.
Nomeado para a presidência do INSS após a Operação Sem Desconto, deflagrada pela Polícia Federal, Waller substituiu Alessandro Stefanutto com a missão de reorganizar a gestão da autarquia. Segundo ele, tem autonomia para realizar mudanças nas gerências regionais, muitas delas ocupadas por indicações políticas.
Além das ações voltadas à apuração de irregularidades, Waller defende alterações estruturais com foco na acessibilidade e eficiência do serviço. “Não adianta eu falar ‘procure o Meu INSS’. Eu não quero o INSS mais tecnológico, eu quero o mais humanizado, aquele que pense efetivamente no nosso cliente”, afirmou.
Questionado sobre a fila de aproximadamente 2 milhões de requerimentos ainda pendentes de análise, Waller disse que está ciente da complexidade do problema e que não há solução imediata. “Se eu falar que em quatro dias eu fiz um plano para resolver a fila, eu diria que eu sou um mágico, uma pessoa que caiu dos céus. Isso não existe”, concluiu.