Na última quarta-feira (11), o portal progressista Brasil 247 publicou o artigo Julgamento do 8 de janeiro é a imagem que o Brasil espera desde 1964, assinado pelo jornalista Tiago Barbosa. A peça inicia denunciando os crimes da ditadura militar de 1964 e ressalta como a transição do regime político se deu sem de fato enterrar o regime anterior, por meio da anistia aos membros da ditadura:

O perdão a quem conspirou, executou e agiu sob a guarda do golpe de 1964 privou o país de curar a dor infligida pela ditadura.

[…]

A anistia aprisionou o Brasil na amargura da impunidade – a semente sazonal para excitar golpismos convictos da injustiça.

Até aí, tudo bem. No entanto, Barbosa passa a utilizar o repúdio à ditadura para defender a condenação de manifestantes bolsonaristas. A transição é operada da seguinte maneira:

O renascimento do fascismo bolsonarista é fruto do salvo-conduto a militares e outros bandidos livrados da cadeia lá atrás.

Primeiro, é importante levantar que o bolsonarismo surgiu e se fortaleceu enquanto fenômeno político por obra da direita dita democrática. A radicalização do PSDB para emplacar o golpe de 2016 levou a uma transição das suas bases para um setor de fato de extrema direita, o bolsonarismo. De maneira semelhante, o golpe de 1964 foi organizado pela ala da direita moderada, da qual o general Castelo Branco era uma figura, assim como o partido da direita à época, a UDN.

É claro, a transição de regime por meio da conciliação com a ditadura permitiu a constante ameaça de golpe no País, mantendo as figuras da ditadura no cenário político nacional até hoje. Mas não é disso que fala Tiago Barbosa. Ele não condena, por exemplo, a composição das Forças Armadas e da camada política em geral, incluída aí a direita tradicional, dita democrática. De fato, a questão da ditadura surge como uma desculpa para apoiar a prisão de manifestantes por sua orientação política, o que fica evidente no trecho abaixo:

“A blindagem manteve insepulto o cadáver do golpe – e, por isso, o julgamento do conluio na tentativa do 8 de janeiro é crucial.”

Ora, qual a relação entre uma coisa e outra? No 8 de janeiro não houve golpe, não teve tanque na rua, as Forças Armadas permaneceram nos quartéis e um punhado de poucos milhares de manifestantes desarmados desfilaram pela Praça dos Três Poderes. Conclui Barbosa:

A imagem dos militares sentados no banco dos réus e julgados pelo poder civil é esperada pelo Brasil desde 1964.

A punição justa, severa e exemplar dessa organização criminosa – com condenação e cadeia – é um clamor nacional histórico.

Golpe nunca mais. Anistia, jamais – o país quer curar essa dor.

Qual a relação entre o julgamento dos manifestantes de hoje com um possível julgamento dos generais da ditadura? Nenhuma. Na realidade, o que há é uma histeria por parte da esquerda que, como Barbosa, e sem saber a que recorrer frente à própria falência política, fruto da submissão ao programa do imperialismo, inclusive no que diz respeito à repressão; não sabe o que fazer.

Essa esquerda pequeno-burguesa vê seu apoio diminuir dia após dia, ao passo em que cresce o apoio à extrema direita. Assim, ao invés de buscar corrigir o rumo de suas políticas equivocadas e claramente impopulares, ou mesmo antipopulares no caso da política repressiva, como Tiago Barbosa, que pede a prisão de uns pobres tios bolsonaristas como se a condenação do próprio Médici estivesse em pauta, essa esquerda recorre novamente à direita democrática, ao imperialismo, na figura do Supremo Tribunal Federal (STF).

A instituição golpista, responsável pelo golpe de 2016 e pela vitória de Jair Bolsonaro nas eleições de 2018 ao retirar Lula do pleito, aparece a essa esquerda como um setor com algum poder. Algum poder, mas nenhuma popularidade. E o choque entre a direita tradicional e a direita bolsonarista aparece a essa ala da esquerda como uma oportunidade.

O problema, então, é que ao apoiar a perseguição política contra o bolsonarismo, a esquerda pequeno-burguesa está apoiando a ampliação do aparato repressivo estatal, do qual a própria esquerda já foi alvo, como nos julgamentos do Mensalão e da Lava Jato, que originaram a monstruosidade jurídica hoje voltada contra o bolsonarismo. A esquerda, portanto, não vê que esse monstro, que já se voltou contra ela, e ainda o faz em menor intensidade, como nos processos contra os defensores da Palestina, irá se voltar contra ela própria.

A “dor” que a esquerda pequeno-burguesa, aqui representada por Tiago Barbosa, fala em curar é a dor por sua própria impotência. Incapaz de mobilizar, de defender reivindicações populares, a esquerda pequeno-burguesa não vê outra saída que continuar na política que a levou até onde está e que, caso continue a segui-la, a levará para o buraco da total irrelevância e morte política.

Hoje, diz “golpe nunca mais” de mãos dadas com os maiores golpistas do Brasil.

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Last Update: 12/06/2025