No último sábado (3), foi publicado no Brasil 247 o artigo Anistia é golpe, assinado por Miguel Paiva. Sob um manto de indignação moralista, o autor reforça a campanha reacionária da burguesia contra a mobilização popular. Mais do que isso: busca limpar a barra dos verdadeiros golpistas e transfere, de maneira absurda, a culpa dos crimes do Estado burguês para o próprio povo brasileiro.
A tese central de Paiva, de que conceder anistia aos presos do 8 de janeiro seria um “golpe”, não se sustenta nem mesmo pelos seus próprios critérios. Para dar um golpe de Estado, é preciso ter o controle dos principais instrumentos do poder: Forças Armadas, Congresso e Judiciário. Nada disso esteve nas mãos dos manifestantes desarmados que ocuparam prédios públicos. Sete mil pessoas desorganizadas, sem armas, sem comando, sem apoio das instituições. Falar em golpe nesses termos é um insulto à história dos verdadeiros golpes que assolaram o Brasil, como o de 2016 contra Dilma Rousseff ou a prisão arbitrária de Lula em 2018.
A condenação de cabeleireira, catador de recicláveis e trabalhadores pobres a 10, 15, 20 anos de prisão por “atentado ao Estado Democrático de Direito” não é defesa da democracia, mas a consolidação do Estado policial. A esquerda, se quer continuar sendo esquerda, não pode aplaudir essas condenações. Como já vimos no passado, hoje são os bolsonaristas, amanhã serão os trabalhadores organizados. Paiva se cala sobre isso, preferindo atacar uma proposta absolutamente normal diante das atuais circunstâncias: a anistia para todos os presos políticos do 8 de janeiro.
Ao tentar montar uma genealogia do suposto golpe do 8 de janeiro, o autor inova. Segundo ele, tudo começaria com a derrota de Aécio Neves em 2014. Mas, estranhamente, os golpistas de 2016 estariam agora combatendo o golpe da extrema-direita. Evidentemente que não se trata disso, a operação de “combate ao fascismo” por Alexandre de Moraes é desdobramento da Lava-jato e do golpe em Dilma. Assim como estas, são a sucessão do Mensalão, onde o STF buscou assassinar a reputação de líderes do PT sob acusação de corrupção.
O bolsonarismo não caiu do céu. Foi produto direto da polarização política que começou com a campanha da imprensa contra o PT. Quem abriu caminho para Bolsonaro foi o PSDB, a Lava Jato, e o STF. Foi o “centro democrático” que deu o golpe. A campanha atual contra Bolsonaro é dirigida pelas mesmas instituições golpistas. São elas que querem eliminar do cenário político um setor que roubou parte significativa de seu terreno no Congresso e hoje ameaça sua hegemonia eleitoral.
Não foi a “cultura brasileira de driblar a lei”, como insinua o autor. Essa tese de que o povo brasileiro é “transgressor” por natureza é, no fundo, puro preconceito de classe. Vem da ideologia imperialista, o identitarismo, que, sob pretexto de defender setores oprimidos, ataca o País.
Paiva ainda escreve como se os bolsonaristas não tivessem o direito de contestar as eleições de 2022. Ora, contestar eleições é um direito democrático. O próprio Lula foi impedido de concorrer em 2018 por meio de uma farsa judicial, que resultou na vitória do próprio Bolsonaro. Não era devido contestar a vitória da extrema direita? Em 2022, quando o setor bolsonarista reagiu à eleição de Lula, era dever da esquerda mobilizar o povo para defender a vitória nas urnas — não defender que manifestações fossem proibidas.
O pior é a proposta de Paiva para a esquerda: esquecer a luta social, esquecer a mobilização de massas e utilizar esse “desvio moral do povo” para concentrar força nas eleições para aumentar a bancada no Congresso. Como se as reformas de Temer e Bolsonaro fossem revertidas por leis, e não através da mobilização, greves e ocupações. É como se o PT tivesse perdido o poder em 2016 por falta de votos, e não por ter confiado nas instituições.