Com o início da oitiva das testemunhas no Supremo Tribunal Federal (STF), nesta segunda-feira (19), o Brasil entra na fase mais detalhada do processo que apura a tentativa de golpe de estado envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro e integrantes de sua cúpula, em 8 de janeiro de 2023. A expectativa em torno da maratona de depoimentos, que deve durar ao menos duas semanas, não se deve apenas ao número de testemunhas — 81, entre militares de alta patente, ex-ministros e membros da gestão passada —, mas à gravidade do que está em análise: uma conspiração para romper com o estado democrático de direito e assassinar Lula, Alckmin e Alexandre de Moraes.

O destaque do primeiro dia deve ser o depoimento do general Marco Antônio Freire Gomes, ex-comandante do Exército, cuja fala já era considerada central nas investigações da Polícia Federal. Segundo o militar, Bolsonaro apresentou três dispositivos constitucionais como justificativas para uma ruptura institucional: a Garantia da Lei e da Ordem (GLO), o Estado de Defesa e o Estado de Sítio.

Em reunião realizada no Palácio da Alvorada, em 7 de dezembro de 2022, o então presidente teria exposto esses mecanismos como opções em estudo, e informado que o andamento seria reportado posteriormente aos comandantes das Forças Armadas. Em outro encontro, com os chefes das três forças, Bolsonaro teria levado um rascunho que incluía a “Decretação do Estado de Defesa” e a criação de uma “Comissão de Regularidade Eleitoral”. O objetivo declarado seria “apurar a conformidade e legalidade do processo eleitoral”.

A resposta de Freire Gomes teria sido categórica. Segundo seu depoimento à Polícia Federal, ele se opôs “de forma contundente” e chegou a ameaçar prender Bolsonaro caso este insistisse na tentativa de subverter a ordem constitucional. O general Carlos de Almeida Baptista Junior, então comandante da Aeronáutica, adotou posição semelhante. Já o almirante Almir Garnier Santos, à frente da Marinha, colocou-se “à disposição do presidente da República”.

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Audiências avançam, apesar de manobras

O início das audiências no STF ocorre em meio a manobras jurídicas da defesa de Bolsonaro, que tenta atrasar os trabalhos alegando dificuldades técnicas para acessar todo o volume de provas. A estratégia de postergar o julgamento, porém, foi rejeitada pelo ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, que manteve o calendário das oitivas.

Além de Freire Gomes, também serão ouvidos nesta segunda-feira Adiel Pereira Alcântara, ex-diretor da Polícia Rodoviária Federal; Clebson Ferreira de Paula Vieira, ex-integrante do Ministério da Justiça; e Éder Lindsay Magalhães Balbino, responsável por uma empresa contratada pelo Partido Liberal para fiscalizar as eleições.

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As oitivas fazem parte da ação penal que investiga a atuação do chamado “núcleo crucial” da trama golpista. Entre os oito réus estão Bolsonaro e o ex-ministro da Casa Civil, Walter Braga Netto. O julgamento concentra-se naqueles que teriam articulado diretamente o plano de ruptura institucional.

A lista de testemunhas inclui ainda o atual comandante da Marinha, Marcos Sampaio Olsen, e nomes de destaque do antigo governo, como o ex-vice-presidente Hamilton Mourão, hoje senador; o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas; e os ex-ministros Paulo Guedes, Eduardo Pazuello e Ciro Nogueira. A expectativa é que os depoimentos revelem com mais clareza o nível de adesão ou resistência de cada personagem frente às tentativas de golpe.

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Marco histórico

O processo conduzido pelo STF é um marco na história da democracia brasileira. A partir dos depoimentos, a Corte busca compreender não apenas os atos, mas também os bastidores e as intenções dos envolvidos. O papel das Forças Armadas, a relação entre o Executivo e seus aliados militares e a responsabilidade do então governante estão sob análise.

“O STF avança no julgamento da trama golpista”, escreveu Gleisi Hoffmann em suas redes sociais. A deputada federal (PR) e ministra da Secretaria das Relações Institucionais também reforçou a importância desse momento: “A verdade vai sendo conhecida para que os criminosos sejam punidos e não atentem novamente contra a democracia”. 

Apesar da gravidade das suspeitas, o foco agora é técnico: ouvir as testemunhas, avaliar as provas e cumprir com rigor o rito processual. O que está em jogo, no entanto, é mais do que o destino político de um ex-presidente: é o compromisso com o estado democrático de direito, para que tentativas de golpe e ditaduras nunca mais tenham espaço no país.

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Da Redação

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Last Update: 19/05/2025