Globo: um século de manipulações em favor das elites
por Francisco Fernandes Ladeira
O ano que se inicia já é emblemático para a história da imprensa brasileira, pois é marcado pelo centenário do Grupo Globo. Sob o slogan “O futuro já começou”, os veículos que compõem este conglomerado de mídia têm celebrado o histórico acontecimento, seja nas páginas dos jornais, das revistas, nas ondas do rádio, nas telas da TV ou na internet.
“Dois mil e vinte e cinco é um ano importante, de muito orgulho para todos nós: os cem anos do maior grupo de comunicação do Brasil. Uma trajetória que começou com um sonho de um jornalista”, destacou uma extensa reportagem do Jornal Nacional, logo no dia 1º de janeiro.
No entanto, entusiasmos e idealizações à parte, a história nos mostra que, desde que foi fundado por Irineu Marinho, em 29 de julho de 1925, até os dias atuais, o Grupo Globo atende única e exclusivamente aos interesses da elite econômica brasileira, consequentemente agindo contra os anseios e aspirações da maioria do povo.
Como diz uma das máximas do jornalismo, órgãos de imprensa não inventam ideologias, tendências ou comportamentos; apenas podem amplificar o que já existe alhures. Em outras palavras, a mídia não determina o andamento da sociedade, como se fosse uma espécie de infraestrutura. Mas é inegável a influência do grupo fundado por Irineu Marinho no Brasil do último século.
Lembrando o velho Marx, o Grupo Globo, como empreendimento capitalista, está a serviço da ideologia burguesa. Logo, transmite determinados valores como se fossem naturais (sempre existiram) e universais (aplicados a todo o tecido social).
Como é de praxe em uma narrativa ideológica, os discursos do Grupo Globo, evidentemente, não podem demonstrar de maneira explícita seus objetivos. Zizek enfatiza que, quanto mais se oculta, mais eficaz é a ideologia. Daí a importância de entendermos as entrelinhas do que lemos, ouvimos ou assistimos.
Apesar de se vender como adepta da representatividade (o que nada mais é do que propaganda identitária difundida pelo imperialismo estadunidense), as novelas da Rede Globo historicamente foram importantes para replicar em larga escala estereótipos e estigmas de minorias sociais que hoje cinicamente dizem defender.
Do mesmo modo, a emissora que se orgulha de acompanhar todas as vitórias do esporte brasileiro, contribuiu para a gourmetização do futebol (expulsando o povão dos estádios, agora rebatizados como arenas) e condiciona a transmissão de determinados eventos a adequação à grade de programação, fazendo, por exemplo, com que a Maratona de São Silvestre perdesse a mística de ser disputada quase na virada do ano, sendo deslocada para o inócuo horário da manhã.
Mas, sem dúvida alguma, as áreas em que o Grupo Globo mais causou efeitos nefastos para o Brasil são economia e política.
No plano econômico, a empresa da família Marinho é porta-voz histórica do mercado, ajudando a sabotar qualquer possibilidade de desenvolvimento do Brasil. Por isso defende as astronômicas taxas de juros, as privatizações e o desmonte do Estado.
Em contrapartida, demoniza greves, programas sociais e qualquer tipo de medida governamental que minimamente beneficie a classe trabalhadora. Basta recordarmos de uma clássica manchete do jornal O Globo, de abril de 1962: “Considerado desastroso para o país um 13º mês de salário”. Tudo isso sem falar nas constantes investidas contra saúde e educação públicas, entre outros direitos da população.
Politicamente, o Grupo Globo sempre atuou para desestabilizar governos populares. Fez coro com Carlos Lacerda na oposição a Getúlio Vargas, apoiou os golpes contra João Goulart e Dilma Rousseff e contribuiu para a prisão de Lula em 2018, impedindo que ele se candidatasse à eleição presidencial daquele ano, abrindo caminho para a vitória de Jair Bolsonaro.
Por falar nisso, não há como dissociar a ascensão da extrema direita ao antipetismo estimulado pelos veículos do Grupo Globo, seja no apoio à lesa-pátria Operação Lava Jato, seja na moralista campanha (supostamente) anticorrupção, responsável por ampliar a demonização da política.
Já os noticiários internacionais do conglomerado de mídia dos Marinho são marcados pela submissão e alinhamento incondicional aos ditames do imperialismo estadunidense (com direito a um acordo, considerado ilegal, com o Grupo Time Life). Nesse sentido, podemos citar a contribuição a paranoia anticomunista nos tempos de Guerra Fria, a legitimação às ações bélicas dos Estados Unidos em países pobres, as calúnias contra governos de esquerda mundo afora e o apoio ao genocídio palestino por parte de Israel.
Décadas antes dos grupos bolsonaristas do zap, o Grupo Globo já difundia fake news, como o chamado “Caso Proconsult” (quando foi cumplice de tentativa de fraudar as eleições para governador do Rio de Janeiro, em 1982), um comício pelas Diretas Já! noticiado como se fosse comemoração pelo aniversário da cidade de São Paulo e o “Caso Escola Base”, no qual os proprietários de uma escola infantil foram acusados injustamente de abuso sexual.
No presente contexto, a estratégia discursiva do Grupo Globo é que vivemos um suposto antagonismo entre democracia burguesa e fascismo (como se ambos não fossem dois lados da mesma moeda), o que tem levado a reboque os setores progressistas. Assim, ironicamente, vide esta paralisia de grande parte da esquerda, a voz mais estridente de críticas ao Grupo Globo vem da extrema direita (o monstro que ajudaram a criar). Portanto, mais do que nunca, é preciso restaurar o clássico grito da esquerda combativa: “Fora Rede Globo, o povo não é bobo!”.
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Francisco Fernandes Ladeira é professor da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ)
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