Globo quer jovens australianos como cobaias da censura

O artigo Restrição das redes a menores na Austrália trará lições, assinado por Pedro Doria, e publicado em O Globo nesta terça-feira (16), chama a atenção pela frieza e cinismo com que trata a restrição da liberdade de um milhão de jovens australianos, que devem servir de experimento e ser a porta de entrada de uma medida fascista que visa os jovens de todo o planeta.

Doria inicia seu texto dizendo que “faz uma semana que as redes sociais australianas estão com 1 milhão de usuários a menos. É o resultado do início da proibição de acesso por menores de 16 anos. No país, a medida é popular: dois terços da população aprovam. Mas nada está de todo sedimentado. Existem alguns processos pedindo à Justiça que considere a medida inconstitucional, assim como existem algumas empresas do Vale do Silício, como Reddit, tentando definir de forma mais estrita o que é uma rede social. Ela jura não ser. Tem cara de que a lei ficará de pé, ao menos por alguns anos. É o que pensam os analistas locais. Pois o mundo, a partir de agora, prestará muita atenção”.

Antes de mais nada, é sempre bom desconfiar desses índices de aprovação, pois os institutos de pesquisa de opinião não são neutros. Além disso, as pesquisas quase sempre são antecedidas de uma enxurrada de propaganda. “Debates” são vistos na televisão; notícias sobre jovens que sofreram bullying, etc, acabam por direcionar as opiniões sem que as pessoas se deem conta de que estão sendo influenciadas.

O imperialismo não dá a mínima

Alguns incautos podem cair na conversa de que os governos estão preocupados com a juventude, mas isso é completamente falso. A Austrália, que demonstra tanta “preocupação” com seus jovens, os está conduzindo para a morte, uma vez que participa de duas coalizões militares (AUKUS e QUAD), capitaneadas pelo imperialismo, cujo objetivo é atacar a China.

Assim como jogaram a Ucrânia contra a Rússia, o que resultou morte de centenas de milhares de jovens, os países imperialistas pretendem o mesmo com a Austrália em relação à China. Por isso é importante manter os jovens australianos fora das redes, pois ali existem notícias, fóruns de discussão, que podem fazer com os jovens se revoltem contra seus governos criminosos.

É importante para o imperialismo que os jovens australianos não saibam que podem ser enviados para uma guerra que não é deles, e que servirão apenas como bucha de canhão para os interesses do grande capital financeiro.

Justificando a censura

Para dourar a pílula da censura, Pedro Doria vai amaciando o leitor dizendo que “Adolescência é um período difícil. Ganhamos tamanho, mas não maturidade. Os níveis de hormônio no corpo, necessários para transformar crianças em adultas, fazem exalar todo tipo de odor e mexem com a cabeça… ” etc. É uma ladainha patética, uma conversa mole que esconde a preparação de um crime monstruoso contra esses jovens.

Adiante, o jornalista diz que “redes sociais têm editor”. Qual é o problema? O jornal para o qual ele trabalha também tem. Mas, claro, o problema “são algoritmos de recomendação”. Esse monstro, o algoritmo, “quer descobrir o que mexe com todos nós a ponto de nos mobilizar emocionalmente”., exatamente o que fazem desde sempre as propagandas e as pesquisas de opinião que a própria Globo utiliza para escrever o roteiro de suas novelas.

Assim, quando o algoritmo “descobre, sabe que aquilo capturará nossa atenção. Daremos ao tema todo o foco possível. E retornaremos, retornaremos sempre, por mais uma pequena dose de dopamina. Funciona com todos os adultos que se permitem usar as redes. Com adolescentes, funciona em dobro”. Quem, como o jornalista, cresceu vendo mulher de biquíni na programação infantil, deve entender muito bem de dopamina.

A cantilena de Doria vai longe, diz que “a tribalização da sociedade incentivada pelas redes, em que cada vez nos identificamos mais como integrantes de grupos que odeiam outros grupos — isso é também mais agudo entre adolescentes”. Isso sempre aconteceu, nunca dependeu de redes sociais. Brigas entre grupos rivais já estava em Shakespeare, nos musicais da Broadway, nos filmes de Hollywood. O que há de tão especial nas redes?

O grande satã

Pedro Doria alerta “é boa a ideia de estar numa rede social justamente quando aprendemos a conviver em grupo? Quando estamos ainda dominando a noção de status? Queremos profundamente ser queridos e desejados, mas nunca achamos que conseguimos? Adolescentes são cruéis uns com os outros. É da crueldade que nasce o medo de que sejam cruéis antes consigo próprios. O pior da adolescência, nas redes, é ampliado. A humilhação, os cancelamentos, o sentimento de inadequação. Que, de novo, todos nós sentimos”.

É curioso ver tanta preocupação com a juventude, ainda mais veiculada na imprensa de um grupo que faz o possível para acabar com educação e saúde pública. Uma rede que sabota o país em tudo o que pode, como a exploração de suas riquezas em favor de interesses do grande capital financeiro.

A Globo acoberta os crimes que a polícia pratica contra os jovens, que promove chacinas nos morros. No entanto, está muito cuidadosa, temendo que os efeitos das redes. É muito cinismo.

A “lógica” do censor

Chega a ser inacreditável a indigência intelectual apresentada no trecho que diz que “um dos argumentos contra a proibição é que deveria ser uma decisão dos pais. Não deveria. Adolescentes precisam ser gregários. Adolescentes devem ter experiências compartilhadas. Se um jovem não tem acesso à rede que todos os colegas têm, está excluído da experiência coletiva. A experiência coletiva está no centro da vida de qualquer adolescente. É o tipo da coisa que só funciona como proibição geral. No particular, não vai”.

O jornalista afirma que os jovens devem “ter experiências compartilhadas” para defender exatamente o contrário, a proibição desse compartilhamento.

Então, “se um jovem não tem acesso à rede que todos os colegas têm, está excluído da experiência coletiva, e isso serve para que nenhum tenha acesso às redes, podemos utilizar isso para tudo. Por exemplo, se um único jovem não pode ir à escola, e os outros amigos vão, nenhum deve ir. Que tal?

Sofisma

Pedro Doria utiliza o Código Penal para justificar a censura aos jovens, mas uma coisa não tem nada a ver com a outra. Diz que “os mais conservadores de nós concordam que os critérios para decisão sobre culpa não são equivalentes para alguém de 14 anos e de 18. Porque entendemos que a capacidade de julgamento muda nesse período. E muda mesmo. Não é só percepção, é ciência”. Ah, sim, a “ciência”. Quem autoriza esse jornalista a falar em nome da ciência?

Os jovens desde cedo se politizam, discutem, questionam, e as redes potencializam isso. Eis a raiz do problema, não tem nenhuma relação com responsabilidade penal.

Cobaias

No final, o jornalista escreve um parágrafo que deixaria qualquer Josef Mengele orgulhoso a Austrália está iniciando uma experiência. Teremos um país relativamente rico em que será possível chegar aos 16 sem ter vivido nas redes. Teremos números de saúde pública: saúde mental, autoestima, suicídios. Teremos dados escolares. Haverá estudos de sociólogos e antropólogos. Em dois, três anos, poderemos comparar e entender concretamente o que acontece quando adolescentes vivem com e sem redes sociais. Aprenderemos muito”.

Esse jornalista trata os jovens como se fossem ratos de laboratório, não tem o menor respeito por suas vidas, escolhas e direitos. É assim que o fascismo se instala, sorrateiramente, fingindo ser para o bem.

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