A panfletagem da imprensa corporativa em prol das disfuncionalidades do Banco Central (BC) sob Roberto Campos Neto ganhou novo capítulo neste fim de semana. Em editorial publicado na sexta-feira (19), o jornal Folha de S.Paulo defendeu a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 65 – que prevê a transformação da autarquia em empresa pública e a fragilização da estabilidade de funcionários concursados. Em resposta, a presidenta nacional do Partido dos Trabalhadores (PT), deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), denunciou a quais interesses servem as opiniões do jornal.
“Editorial da Folha repete balelas para defender ‘autonomia’ ainda maior do BC. Esquece que o Banco não tem ‘receitas próprias’. A fortuna que ele administra são reservas que pertencem ao país, ao povo brasileiro, motivo essencial para que sua diretoria seja nomeada (e demissível) pelo governo eleito, não pelo derrotado”, rebateu a presidenta do PT, nas redes sociais. “E atribui ao bolsonarista Campos Neto uma independência política que ele nunca teve”, acrescentou.
Na última reunião, Conselho de Política Monetária (Copom) do BC congelou a taxa básica de juros (a Selic) em 10,50% ao ano, a segunda mais alta do mundo, medida considerada correta segundo a percepção da Folha de S.Paulo, mesmo com os indicadores apontando para o aquecimento da economia e para a necessidade de expansão do crédito. “Nada justifica manter os maiores juros reais do planeta no governo Lula. Campos Neto, seus juros e seu projeto de ‘autonomia’ são indefensáveis”, censurou Gleisi.
Para justificar uma suposta independência do presidente do BC, a Folha recorreu ao argumento de que a autarquia manteve os juros nas alturas durante as eleições de 2022, “o que, em tese, poderia ser visto como prejudicial ao então candidato à reeleição Jair Bolsonaro, que colocou Campos Neto no cargo”. O editorial, contudo, foi incapaz de informar a tragédia econômica legada por Bolsonaro, especialmente no que diz respeito aos gastos públicos, embora o tema seja uma obsessão da mesma imprensa corporativa.
“O governo do inelegível não estava nem aí para a oferta de crédito, investimento, empregos e crescimento do país, missões do BC. Os juros estratosféricos em 2022 foram o preço cobrado para conter a disparada da inflação, enquanto o inelegível despejava bilhões na praça irresponsavelmente para comprar voto”, lembrou a parlamentar.
“Privatização” do BC
A presidenta do PT não está sozinha nas críticas às ideias regressivas contidas no editorial da Folha de S.Paulo e na PEC 65. Especialistas consultados pela Agência Brasil expuseram os problemas da proposta, que segue em discussão no Senado Federal. Pedro Paulo Zaluth Bastos, professor-associado de economia na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), fala em “privatização” do BC. “[A PEC] é uma espécie de privatização, tem cara de privatização.”
Bastos alerta para a disfuncionalidade da autarquia, encarregada da estabilização da moeda e da promoção do pleno emprego, caso a proposta seja aprovada. A PEC 65 almeja a autonomia administrativa, orçamentária e financeira do BC. “Isso pode estimular o Banco Central a buscar lucro ao invés de realizar suas funções públicas. Movimentos que aumentariam o lucro do BC, como redução de juros ou desvalorização cambial, se chocam com o mandato público, que é de controlar a inflação”, pondera.
Edemilson Paraná, professor de Sociologia Econômica da Universidade LUT, na Finlândia, afirmou que a PEC 65 serve aos “interesses dos grandes setores dominantes, a quem interessa mais diretamente a política monetária, que são os grandes bancos e as grandes instituições financeiras”.
“Uma parte significativa dos gestores de alto nível do BC são ligados, diretamente ou indiretamente, às instituições financeiras. Alguns vieram delas antes e voltarão para elas depois de seus mandatos. Então autonomia de quem? Autonomia do povo, autonomia da democracia, autonomia da decisão política soberana do país”, questiona Paraná.
A proposta em debate no Senado altera ainda a estabilidade dos servidores concursados do BC. Do Regime Jurídico Único, eles passariam a ser regulamentados pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). “Um diretor ou presidente poderia constituir uma direção de acordo com o que ele entendesse. O fato de hoje os funcionários serem estatutários permite que eles não tenham pressão para executar políticas contrárias ao interesse público”, conclui o professor.
Veias abertas da economia
No domingo (21), o ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho (PT-SP), disse que os juros altos são “incompatíveis” com a ampliação dos investimentos e condenou a manutenção da Selic em 10,50% pelo Copom. A conduta do BC, na avaliação do ministro, obstrui a abertura de novas vagas de emprego no país.
“O controle da inflação que o Banco Central tem feito é pelo lado errado, pela restrição ao crédito, com aumento de juros. Isso é incompatível com a ideia de gerar empregos e investimentos. É isso que está sangrando a economia”, lamentou Marinho, em entrevista ao Correio Braziliense.
Da Redação, com Agência Brasil, Correio Braziliense