Geologia de Rua
por Heraldo Campos
A Geologia de Rua ou Street Geology [1] pode ser desenvolvida a partir de uma atividade prática com estudantes, por meio de sistemática observação de campo [2] em áreas de risco geológico suscetíveis aos deslizamentos em morros, por exemplo. E nunca é demais lembrar o importante papel das universidades no estímulo de mentes e de corações para que os estudantes, futuros profissionais, possam colaborar com uma melhoria da qualidade de vida das populações carentes, muito embora certos governantes anti-ciência, atuando acima e abaixo da Linha do Equador, remem contra a maré e agridam o ambiente acadêmico com o objetivo de sua nítida destruição. A experiência de trabalho com estudantes universitários é muito rica e a seguir serão relatados três estudos desenvolvidos, em épocas diferentes, nos estados de São Paulo, Rio Grande do Sul e Santa Catarina.
No Vale do Paraíba (SP), no ano de 1992, foi o primeiro trabalho [3] desenvolvido com alunos do 4º ano do Curso de Engenharia Civil da Universidade Estadual Paulista (UNESP). Desse modo, (…) “A ‘sala de aula’ escolhida, como cenário do meio físico objeto de estudo, foi o Morro do Sucupira ou do Zé Reis, no município de Guaratinguetá – SP. Essa área ocupada por uma população de baixa renda estimada em 400 pessoas, representa um retrato 3×4 do assentamento de loteamentos espontâneos em morros e encostas em certas cidades do país, ou seja: existência de cortes e aterros inadequados; lançamento de águas servidas em superfície; acúmulo de lixo/entulho em taludes íngremes; plantação de bananeiras, etc. (…) A análise dos dados obtidos, permitiu classificar áreas de alto e de médio risco de movimento de massa. As áreas mais críticas (alto risco ou risco I) devem merecer atenção especial do poder público local. Como medida preventiva sugeriu-se a re-alocação dos moradores destas áreas. (…)”.
Alguns anos depois, em 1995, seguindo praticamente os mesmos passos do estudo em Guaratinguetá citado, alunos do Curso de Geologia da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), localizada na cidade de São Leopoldo (RS), realizaram um trabalho [4] dessa natureza e a ‘sala de aula’ escolhida foi o Morro da Polícia (área de risco ‘Glorinha’) em Porto Alegre, onde foram cadastradas 101 moradias, onde estimava-se que viviam quatrocentas pessoas. O estudo concluiu que (…) “Os setores do trecho (…) na ‘Glorinha’ identificados como de médio risco devem merecer uma atenção (…) do poder público local, através de um monitoramento técnico articulado com a Defesa Civil. O prognóstico de adensamento populacional e o consequente aumento (…) de casas, sem o suporte suficiente de infraestrutura urbana podem potencializar (…) o grau de risco e de degradação da área, necessitando-se neste caso de re-alocação de moradores. (…)”.
Dando sequência nesse mesmo tipo de atividade prática, no ano de 2004, alunos da 5ª fase dos cursos de Engenharia Civil e de Produção Civil da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), realizaram um caminhamento [5] no Morro Pantanal, próximo ao Campus Universitário em Florianópolis. Em função do tempo disponível o trabalho de campo foi expedito e a atividade possibilitou o levantamento de somente 4 casas ao longo de uma escadaria no trecho da visitação, não se observando nenhuma casa em risco iminente, com necessidade de providência imediata (remoção dos moradores).
Ressalta-se que além da importância de se estudar as áreas de risco geológico (e que requerem acompanhamento posterior), como foi exposto, digamos que atualmente “tirar” os estudantes de sala de aula para visitas de campo em aterros sanitários e cooperativas de recicláveis seria quase que obrigatório, para possibilitar um contato com esse importante assunto e permitir a observação de técnicas de monitoramento de águas subterrâneas (tanto na parte interna como na parte externa do corpo do aterro sanitário) visando a proteção da qualidade das águas dos reservatórios subterrâneos ou aquíferos.
Em tempo: aqui vale acrescentar que os crimes ambientais que assolam o país que vira e mexe aparecem nos notíciários dos jornais, como os desmatamentos e os garimpos ilegais, mereceriam, também, fazer parte dos conteúdos de temas a serem abordados, lembrando que, recentemente, a Comissão de Meio Ambiente (CMA) e a Ouvidoria Nacional do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) lançaram um aplicativo [5] para denúncias de crimes ambientais pela população (a denúncia é anônima). E assim, para encerrar, citamos aqui um pensamento do escritor gaúcho Érico Veríssimo que disse: “Eu não devia observar tanto, pensar tanto. Se vivesse mais no ar, era mais feliz. Quando a gente quer olhar tudo, acaba descobrindo o que há de feio no mundo.”
Notas
[1] “Street Geology” artigo de Heraldo Campos de 16/04/2025.https://cacamedeirosfilho.blogspot.com/2025/04/street-geology.html
[2] “Observando o Vale” artigo de Heraldo Campos de 02/07/1992 publicado no Caderno Folha Vale do Jornal Folha de São Paulo.
[3] Campos, H.C.N.S. Riscos Geológicos: A Experiência de Campo com Alunos de Engenharia Civil da UNESP – Guaratinguetá (SP). In: XXXVII Congresso Brasileiro de Geologia, 1992, São Paulo. Boletins…SBG. São Paulo: SBG, 1992. v. 1. p. 110-111.
[4] Schreck, R.; Saciloto, P.H.B; Campos, H.C.N.S.;. Zoneamento de Áreas de Risco em Morros: A Experiência no Município de Porto Alegre (RS). In: III Seminário – Feira de Ensino, Pesquisa e Extensão da UNISINOS, 1996, São Leopoldo. Resumos…UNISINOS. São Leopoldo: UNISINOS, 1996, p.325.
[5] Campos, H.C.N.S. Riscos Geológicos: A Experiência de Campo com Estudantes Universitários. In: Simpósio Brasileiro de Desastres Naturais. Florianópolis, 2004. CD ROM. UFSC, DEDC/SC, SNDC/BR e FAPEU. Florianópolis: 2004. [6] Aplicativo para denunciar crime ambiental pela população, lançado pela Comissão de Meio Ambiente (CMA) e Ouvidoria Nacional do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), com acesso gratuito.Heraldo Campos é geólogo (Instituto de Geociências e Ciências Exatas da UNESP, 1976), mestre em Geologia Geral e de Aplicação e doutor em Ciências (Instituto de Geociências da USP, 1987 e 1993) e pós-doutor em hidrogeologia (Universidad Politécnica de Cataluña e Escola de Engenharia de São Carlos da USP, 2000 e 2010).
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