Em um relatório divulgado nesta segunda-feira (1º) e intitulado “Da Economia da Ocupação à Economia do Genocídio”, a Relatora Especial da ONU para os Territórios Palestinos, Francesca Albanese, revela o envolvimento direto de empresas multinacionais de armas, tecnologia, construção, energia e finanças no sistema de apartheid e nos ataques genocidas conduzidos por Israel em Gaza e na Cisjordânia ocupada.
O documento será apresentado ao Conselho de Direitos Humanos da ONU nesta quinta-feira (4) e traz evidências documentais, jurídicas e jornalísticas que demonstram como dezenas de empresas — de nomes conhecidos como Lockheed Martin (EUA), Google, Amazon, Microsoft, Caterpillar (todas dos EUA), Carrefour e Airbnb — lucram com a destruição da Palestina.
“A cumplicidade exposta no relatório é apenas a ponta do iceberg. Isso não terminará sem responsabilizar o setor privado, incluindo seus executivos”, alerta Albanese.
Armamento, tecnologia e infraestrutura: os pilares de uma “máquina genocida”
O relatório de 39 páginas descreve o funcionamento de uma engrenagem corporativa global que sustenta o regime colonial, o apartheid e o genocídio. Albanese detalha a atuação de empresas armamentistas, como a Lockheed Martin, que fornece os caças F-35 e F-36 responsáveis pelo lançamento de 85 mil toneladas de bombas sobre Gaza — volume superior ao lançado durante a Segunda Guerra Mundial.
Outras empresas citadas incluem:
Elbit Systems (Israel) e Israel Aerospace Industries: produzem drones e hexacópteros usados em ataques aéreos em áreas civis densamente povoadas.
Google, Amazon e Microsoft: fornecem tecnologias de vigilância, análise de dados e serviços de nuvem utilizados em assassinatos por drones e repressão digital.
Caterpillar (EUA) e Heidelberg Materials (Alemanha): fornecem tratores e cimento para a demolição de casas palestinas e construção de assentamentos ilegais.
“Essas empresas não são meras espectadoras. Elas são parceiras ativas na repressão e no deslocamento sistemático dos palestinos”, diz Albanese.
Exemplos ainda incluem as varejistas Benetton Group (Itália), Carrefour (França), as fabricantes Airbus (França), Rafael Advanced Defense Systems (Israel), as agrícolas Netafim (Israel) e PepsiCo.
Supermercados, bancos e aplicativos: a normalização do apartheid
A teia de envolvimento corporativo vai além da indústria bélica. Albanese destaca a cumplicidade de redes de varejo como Carrefour, plataformas de hospedagem como Booking.com e Airbnb, e bancos comerciais como BNP Paribas e Barclays, que subscreveram títulos do Tesouro de Israel, financiando diretamente o aumento do orçamento militar.
O relatório também aponta a ação de fundos de investimento, como: BlackRock (US$ 68 milhões), Vanguard (US$ 546 milhões) e PIMCO (US$ 960 milhões)
Estes fundos financiaram empresas israelenses ou compraram dívida pública israelense, mesmo após as ordens da Corte Internacional de Justiça e do Tribunal Penal Internacional, que alertaram para o risco explícito de genocídio.
Universidades e União Europeia também são citadas
Segundo Albanese, instituições acadêmicas — como o MIT e universidades ligadas ao programa Horizonte Europa, da Comissão Europeia — alimentam a máquina de guerra ao desenvolver tecnologias, ideologias e parcerias com o Ministério da Defesa de Israel.
O MIT, por exemplo, coopera no desenvolvimento de enxames de drones, uma das tecnologias mais utilizadas nos ataques a Gaza desde outubro de 2023. A relatora acusa essas instituições de “sustentar intelectualmente” o projeto colonial e ignorar a violência sistêmica que ele gera.
Energia e mineração: expropriação ambiental e lucros com o colapso
No setor energético, empresas como Chevron, British Petroleum, NewMed Energy, Glencore e até a Petrobras foram mencionadas por suas ligações com a extração de recursos em territórios ocupados e fornecimento de energia usada para manter a infraestrutura dos assentamentos ilegais. A Petrobras é mencionada pelas remessas de petróleo bruto de campos de petróleo brasileiros, nos quais a estatal brasileira detém as maiores participações, e combustível de aviação militar, que ajuda a abastecer duas refinarias em Israel.
Albanese acusa essas corporações de “punição coletiva econômica e ambiental”, ao colaborar com o bloqueio e o colapso dos sistemas básicos de vida em Gaza.
Consequências jurídicas: o lucro pode virar crime
O relatório não apenas denuncia: ele propõe ações concretas. Albanese invoca princípios internacionais de responsabilidade empresarial, exigindo:
- Rompimento imediato de laços comerciais com empresas envolvidas;
- Compensações aos palestinos por perdas humanas e materiais;
- Responsabilização legal de executivos corporativos por cumplicidade em genocídio.
Segundo a relatora, os Princípios Orientadores da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos, a Convenção para Prevenção do Genocídio e as ordens do Tribunal Penal Internacional deixam claro: “Negócio como sempre é crime” diante de indícios tão explícitos de genocídio.
Reações: boicotes, pressão diplomática e movimentos estudantis
Movimentos como o BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanções) já iniciaram campanhas de boicote a empresas mencionadas no relatório. Universidades europeias, como as de Londres e Edimburgo, começaram a revisar seus investimentos e convênios com instituições israelenses.
“O boicote não é apenas moralmente justo, é uma obrigação legal”, defende Albanese. “O mundo precisa escolher: justiça ou lucro”
O relatório será debatido nesta quinta-feira (4) no Conselho de Direitos Humanos da ONU, em sessão pública e transmitida ao vivo. Nele, Francesca Albanese deixa uma pergunta incômoda para Estados, empresas e cidadãos:
“O mundo está disposto a financiar o genocídio de um povo por mais lucro? Ou está pronto para responsabilizar os cúmplices da destruição e escolher o lado da justiça?”
Enquanto isso, milhões de palestinos seguem vivendo sob bombardeio, cerco, fome e deslocamento forçado — e as empresas citadas continuam a contabilizar lucros recordes.