Genocídio em Gaza, negócios nos EUA e Europa e silêncio na grande imprensa
por Fábio de Oliveira Ribeiro
No último relatório elaborado por Francesca Albanese, Relatora Especial de Direitos Humanos da ONU, aborda a existência de toda uma rede de relações comerciais entre o militarismo israelense e empresas norte-americanas e europeias. Multinacionais poderosas não apenas facilitaram e possibilitaram a prática de crimes de guerra e atos genocidas por mais de um ano em Gaza, elas lucraram fazendo isso.
Outro aspecto evidente da questão é a maneira como a grande imprensa internacional (a brasileira incluída) normalizaram o genocídio dos palestinos inventando e exaustivamente repetindo argumentos para legitimar a crueldade extrema das forças de ataque de Israel. Essa questão tem sido bem explorada por Clarissa Peixoto, que também abordou a violência letal dos militares israelenses contra jornalistas que cobrem o conflito in loco.
As razões para a imprensa acobertar crimes de guerra são em parte ideológicos (adesão automática ao sionismo) e em parte religiosos (rejeição consciente ou inconsciente do islamismo, muito embora existam palestinos católicos). Todavia, não é possível descartar a motivação econômica. As empresas multinacionais que obtém lucro com o genocídio eme gaza também compram espaço de propaganda nos veículos de comunicação. E por razões óbvias elas se recusam a custear aquilo que consideram “propaganda negativa” aos seus negócios sanguinários com Israel.
A autocensura motivada pela ganância pelo vil metal não é uma novidade. Ela ocorreu nos anos 1930:
“No decorrer da investigação, uma palavra se repetia com constância nos registros tanto alemães quanto americanos: “colaboração” (Zusammenarbeit). E, aos poucos, ficou claro como essa palavra descrevia com precisão o arranjo particular entre os estúdios de Hollywood e o governo alemão na década de 1930. Do mesmo modo que outras companhias americanas, como IBM e General Motors, os estúdios de Hollywood colocavam o lucro acima dos princípios em sua decisão de fazer negócios com os nazistas. Eles injetaram dinheiro na economia alemã numa variedade de maneiras embaraçosas. Mas como o Departamento de Comércio dos Estados Unidos reconheceu, os estúdios de Hollywood não eram simples distribuidores de bens; eram provedores de ideais e cultura. Tinham a oportunidade de mostrar ao mundo o que realmente acontecia na Alemanha. Nisso o termo “colaboração” assumia seu pleno significado.
Os diretores de estúdio, que eram em sua maioria imigrantes judeus, foram a extremos excepcionais para preservar seus investimentos na Alemanha. Embora poucos comentassem isso na época, esses homens seguiram as instruções do cônsul alemão em Los Angeles, abandonando ou mudando toda uma série de filmes que teriam exposto a brutalidade do regime nazista. Esse foi o arranjo na década de 1930, e, ao final de uma longa pesquisa, de repente ficou claro que toda evidência estava dispersa em tantos lugares: era porque a colaboração sempre envolve mais do que uma parte. Nesse caso, a colaboração envolveu não apenas os estúdios de Hollywood e o governo alemão, mas também uma variedade de outras pessoas e organizações nos Estados Unidos. Se esse é um capítulo obscuro na história de Hollywood, então ele também é um capítulo obscuro da história americana.” (A Colaboração – O pacto entre Hollywood e o Nazismo, Ben Urwand, LeYa, São Paulo, 2014, p. 15-16)
A colaboração (ou Zusammenarbeit) entre empresários ocidentais e Israel durante o genocídio, reforçado pelo jornalismo contaminado pelo sionismo, é um fato que merece ser investigado pelo Tribunal Penal Internacional? A resposta é sim, porque o texto da Convention on the Prevention and Punishment of the Crime of Genocide é absolutamente claro:
“Article III The following acts shall be punishable:
(a) Genocide;
(b) Conspiracy to commit genocide;
(c) Direct and public incitement to commit genocide;
(d) Attempt to commit genocide;
(e) Complicity in genocide.”
Tradução:
Artigo III Os seguintes atos serão puníveis:
(a) Genocídio;
(b) Conspiração para cometer genocídio;
(c) Incitação direta e pública à prática de genocídio;
(d) Tentativa de cometer genocídio;
(e) Cumplicidade em genocídio.
O art. III, item ‘e’, da Convenção sobre a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio estabelece que a cumplicidade com o crime de genocídio é punível. Cúmplices são todos aqueles que concorrem para o crime ou facilitam sua concretização obtendo ou não lucro. Isso inclui tanto empresas que fornecem os meios indispensáveis à consecução do crime como os donos dessas empresas que se mostrem pessoalmente comprometidos com o fornecimento dos produtos dela (e com os lucros que auferirá em razão disso obviamente). As empresas de comunicação se tornam cúmplices ao acobertar crimes de guerra ou legitimar o discurso do agressor ajudando-o a desumanizar suas vítimas.
Nesse contexto, é absolutamente compreensível os ataques que Francesca Albanese tem sofrido das autoridades israelenses, norte-americanas e europeias e repercutidos pela mídia engajada no genocídio. Cada qual quer se proteger de uma acusação formal no Tribunal Penal Internacional e isso só pode ser feito destruindo a reputação pessoal e profissional da Relatora Especial de Direitos Humanos da ONU. Defendê-la nesse momento é algo essencial, caso contrário a última barreira que impede a aceleração do extermínio de palestinos será removida.
Fábio de Oliveira Ribeiro, 22/11/1964, advogado desde 1990. Inimigo do fascismo e do fundamentalismo religioso. Defensor das causas perdidas. Estudioso incansável de tudo aquilo que nos transforma em seres realmente humanos.
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