Os Estados Unidos vivem hoje um momento surreal. Em um intervalo de dez dias, o país conheceu em detalhes a condenação do ex-presidente Donald Trump em 34 acusações de falsificação de registros financeiros para ocultar os pagamentos a uma ex-atriz pornô. Logo depois, Robert Hunter Biden, o filho-problema de Joe, foi pego pela Justiça por conta de três crimes relacionados ao porte de arma. Trump, primeiro ex-presidente norte-americano sentenciado, tem outros três processos pela frente, bem mais complicados, aliás. Hunter, até outubro, enfrentará outro julgamento, dessa vez por acusações de evasão fiscal, mas a saga jurídica do filho de Biden é mais confusa, complexa e prolongada.
Empresário e advogado, Hunter está na mira dos republicanos desde quando Donald Trump era presidente. O filho mais novo do democrata há tempos vive altos e baixos provocados pela dependência química. Ansioso por minar a candidatura do adversário, Trump nomeou o promotor federal David Weiss para vasculhar a vida e as finanças de Hunter. O resultado da varredura iniciada há cinco anos conseguiu levar o empresário ao banco dos réus e à condenação por um júri popular em 11 de junho passado.
A promotoria conseguiu provar que, em outubro de 2018, o filho-problema foi a uma loja de armas em Wilmington, Delaware, para comprar um revólver e preencheu um formulário no qual negava o uso ilegal de drogas e a dependência química. Esses dois pontos são alguns dos poucos impeditivos para a compra de armamentos. Ao longo do julgamento, que contou com a presença constante da primeira-dama Jill Biden, os promotores federais conseguiram provar que Hunter havia mentido.
Além da primeira-dama, ao menos oito integrantes da família Biden estiveram presentes no tribunal para apoiá-lo. Entre eles, os tios Jimmy e Valerie Biden Owens e a irmã Ashley. Relatos de quem esteve presente na Corte afirmam que, embora os detalhes do vício do empresário tenham surpreendido e até alimentado sordidamente parte da audiência, era notória a dor profunda dos parentes que, na verdade, reviveram um antigo e angustiante drama familiar.
Ao contrário de Trump, que soube da sentença dois dias depois das audiências, Hunter foi considerado culpado pelos jurados em apenas três horas. Após a deliberação, a primeira-dama deixou o tribunal segurando a mão do enteado. No mesmo dia, durante uma entrevista coletiva à margem da cúpula do G-7, na Itália, Biden reiterou seu apoio ao caçula: “Estou extremamente orgulhoso do meu filho. Ele superou um vício, é um dos homens mais brilhantes e decentes que conheço”. O presidente assegurou ainda que acatará o resultado. “Estou convencido de que não farei nada. Eu disse que cumpriria a decisão do júri e vou fazer isso. E não vou perdoá-lo”, garantiu, ao ser questionado sobre a possibilidade de dar ao filho o perdão presidencial, pois os crimes pelos quais Hunter foi condenado são de âmbito federal. Ainda na Itália, Biden reorganizou sua agenda rapidamente e voou para sua casa, em Delaware, onde encontrou Hunter ainda na pista de pouso e o abraçou.
O presidente, candidato à reeleição, fez questão de apoiar o filho publicamente
Na sequência da declaração e do comportamento de Biden, foi inevitável a comparação entre as condutas dos dois candidatos à Presidência na eleição a ser disputada em novembro. A postura do democrata diverge completamente do comportamento de Trump, que não apenas criticou o resultado do próprio julgamento e atacou praticamente todos os aspectos do processo legal, inclusive os próprios advogados, como deu a entender que considera um autoperdão, caso vença a corrida presidencial e volte à Casa Branca.
Assim como em 2020, Hunter está na mira dos republicanos. Se antes era visto ora como bode expiatório por uns, ora como calcanhar de aquiles por outros, neste ano, sobretudo diante da derrota no tribunal, volta à baila. Há três semanas, tanto o comitê da campanha democrata quanto os assessores de Trump tentam compreender o impacto da condenação do filho caçula de Biden no curso da eleição. Com o veredicto de Hunter, a assessoria do ex-presidente tentou mudar o foco do debate nacional. Em um comunicado, fez alegações, sem provas, sobre os supostos negócios estrangeiros da família. “Este julgamento nada mais foi do que uma distração dos crimes reais da Família do Crime Biden, que arrecadou dezenas de milhões de dólares da China, Rússia e Ucrânia.” À medida que a campanha avança, Trump dá sinais de que vai usar a condenação de Hunter para reforçar a ideia de que os Biden são uma família criminosa, envolvida em esquemas de corrupção e narcóticos e que não são confiáveis. O republicano abordará questões relacionadas aos negócios de Hunter, forçando Biden a defender as ações da sua família e potencialmente colocá-lo na defensiva. Terá sua primeira chance de desafiar o opositor no próximo dia 27, durante o primeiro debate na rede de televisão CNN.
Por sorte de Biden, Trump não é nenhum santo e por mais bizarro que possa soar, a condenação de Hunter pode tornar-se um ponto positivo no sentido de que retira dos republicanos o argumento de que o empresário seria protegido pela Casa Branca. A favor do democrata conta também o fato de a opinião pública considerar genuína a postura de pai acolhedor, sobretudo em um país devastado pela epidemia de drogas e opioides. O fato de Biden não abandonar o filho, nem quando Hunter teve problemas com as drogas no passado nem agora, mostraria o quanto ele é leal e verdadeiramente amoroso. Inegavelmente, pontos importantes para qualquer cidadão, sobretudo se ele almeja comandar a nação. •
Publicado na edição n° 1316 de CartaCapital, em 26 de junho de 2024.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Garoto problema”