‘Ganhamos na sociedade’: governo minimiza tensões com o Congresso e prepara 2026 mais seletivo

O governo acumulou derrotas no Congresso ao longo do ano. Algumas, paradoxalmente, tiveram sabor de vitória, por renderem discurso político ao presidente Lula — como no caso da derrubada do decreto do IOF. O antagonismo com o Legislativo tende a continuar, embora o Planalto já tenha decidido reduzir, em 2026, o envio de propostas que dependam de aval parlamentar. A redução da jornada de trabalho, com o fim da escala 6×1, pode figurar entre as exceções.

“Só vamos mandar para cá projetos extremamente necessários”, afirmou o líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (PT-RJ), durante café da manhã com jornalistas nesta terça-feira 16.

“O ambiente eleitoral vai tomar conta da disputa — para falar a verdade, já tomou neste semestre”, prosseguiu o deputado, para quem o período concentrou os embates mais duros do atual mandato. “O presidente Lula fez a disputa política e a gente venceu.”

A revogação do decreto do IOF — posteriormente ressuscitado pelo Supremo Tribunal Federal — permitiu ao petismo ocupar as ruas e as redes com o discurso da justiça tributária. “Perdemos na votação e ganhamos na sociedade”, resumiu Lindbergh.

Outro exemplo, destacou ele, foi a chamada PEC da Blindagem, que ampliava proteções a congressistas investigados. Mesmo derrotado na Câmara, o governismo transformou o revés em mobilização contra a impunidade. A pressão ajudou a empurrar o Senado a arquivar a proposta.

A convocação de atos de rua em 14 de dezembro tensionou ainda mais a relação com o Legislativo. O estopim foi a votação, na Câmara, da lei que reduz penas de condenados pelos atos golpistas. O PSOL, partido do secretário-geral da Presidência, Guilherme Boulos, foi direto no chamado: “Congresso inimigo do povo”. Os presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), criticaram o presidente do PT, Edinho Silva.

Questionado sobre os possíveis efeitos negativos do confronto frequente com o Congresso, Lindbergh contemporizou. “É preciso entender que essa disputa política é natural.”

Emendas sob pressão

Os parlamentares rotulados como “inimigos do povo” enfrentam, agora, outro foco permanente de desgaste: as investigações sobre emendas parlamentares.

Também nesta terça-feira 16, a Polícia Federal cumpriu mandado de busca no apartamento do deputado Antonio Doido (MDB-PA), por ordem do STF, em apuração sobre irregularidades envolvendo emendas. Três dias antes, a PF havia feito o mesmo com uma ex-assessora do deputado Arthur Lira (PP-AL).

“Somos contra o agigantamento das emendas”, afirmou Lindbergh. O orçamento deste ano reserva cerca de 50 bilhões de reais para esse fim — em 2015, eram 10 bilhões. Duas ações no Supremo, sob relatoria do ministro Flávio Dino, podem impor limites ao mecanismo. Ainda não há data para julgamento. Foi Dino, aliás, quem autorizou a operação da PF contra Antonio Doido.

As prioridades para 2026

Para 2026, o líder petista antecipa um governo mais seletivo na relação com o Legislativo. A redução da jornada de trabalho é uma das pautas que podem levar o Planalto a enfrentar o Congresso. O fim da escala 6 x 1 já foi aprovado em comissão do Senado e integra uma proposta de emenda à Constituição apresentada pela bancada do PSOL. O governo estuda enviar um texto próprio, transformando o tema em bandeira eleitoral.

Outra pauta com apelo popular é a tarifa zero no transporte público. O deputado Jilmar Tatto (PT-SP), vice-presidente nacional do partido, é autor de um projeto nessa linha. “São pautas que dialogam com a vida das pessoas”, resumiu Lindbergh, que encerra o ano otimista quanto ao desempenho do governo e ao cenário eleitoral.

Em janeiro, começa a valer a isenção do imposto de renda para salários de até 5 mil reais, o que reduzirá o desconto na fonte para milhões de trabalhadores.

A renda média do trabalhador está no maior patamar da série do IBGE, em torno de 3,5 mil reais. A taxa de desemprego é a menor das pesquisas recentes, em 5,4%. A inflação acumulada em quatro anos deve ser a mais baixa desde o início do Plano Real. “O Lula é franco favorito para se reeleger”, avalia Lindbergh.

A inflação, observa o deputado, tem sido contida pelo juro elevado do Banco Central, hoje em 15% ao ano. O BC já conta com maioria de indicados por Lula, inclusive o presidente da instituição, Gabriel Galípolo. Lindbergh aposta em uma queda “substancial” da Selic em 2026, mas demonstra preocupação: “Tenho um receio muito grande de esse juro alto bater na economia”.

Se o governismo entra na virada de 2025 para 2026 em posição confortável, a oposição, na visão do petista, vive um momento mais conturbado. O bolsonarismo, segundo ele, perdeu o monopólio das ruas — como mostraram os atos de 14 de dezembro e as mobilizações contra a PEC da Blindagem. Além disso, enfrenta uma guerra fria com o centrão, alimentada pela candidatura presidencial de Flávio Bolsonaro (PL-RJ).

“Vamos torcer pela briga”, ironizou Lindbergh. Ele admite, contudo, que preferiria Eduardo Bolsonaro (PL-SP) nas urnas contra Lula. O deputado está em autoexílio nos Estados Unidos desde o início do ano deve perder o mandato por faltas. A bancada do PT apresentou um mandado de segurança no STF para que a Corte determine que Hugo Motta declare imediatamente a perda do mandato. No caso de Chiquinho Brazão, cassado pelo mesmo motivo, Motta só tomou providências no ano seguinte às ausências.

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