O ministro Luiz Fux, da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) defendeu, nesta quarta-feira (10), a absolvição do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), acusado de ser o líder da organização criminosa que tentou um golpe de Estado, em voto que minimizou a trama contra a democracia.
Para Fux, Bolsonaro não integrou organização criminosa — já que o ministro rechaçou a existência de uma — e disse que não haveria provas ligando o ex-presidente aos danos causados pelos ataques do 8 de Janeiro de 2023.
Na avaliação de Fux, teria faltado demonstrar que o 8 de Janeiro foi consequência direta dos discursos e ações de Bolsonaro. Apesar de farta documentação e manifestações nesse sentido, ele avalia não ficou demonstrado “nexo de causalidade”.
Ele também defendeu a inexistência provas sobre a ligação de Bolsonaro com outras iniciativas, como o plano Punhal Verde e Amarelo — focado em matar Lula, Alckmin e Moraes —; o uso da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para monitorar autoridades; os discursos e entrevistas contra as urnas e a Justiça Eleitoral; e a adesão a planos contra autoridades.
Garnier e Cid
Da mesma forma, Fux absolveu o ex-comandante da Marinha, Almir Garnier, e condenou Mauro Cid, ex-ajudante de ordens, por apenas um dos cinco ilícitos de que o núcleo crucial é acusado.
Os réus respondem pelos crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, dano qualificado contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado — com exceção de Alexandre Ramagem, que não responde por estes dois últimos.
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No caso do delator Mauro Cid, ex-ajudante-de-ordens de Bolsonaro, Fux votou por condená-lo apenas por tentativa de abolição do Estado democrático de Direito, formando maioria favorável esta imputação.
Já em relação ao ex-comandante da Marinha, Almir Garnier — acusado de colocar suas tropas à disposição para uma ação golpista, conforme apontado na peça apresentada pela Procuradoria-Geral da República — Fux o absolveu de todos os crimes, argumentando que não haveria provas contra o almirante.
Sobre a anuência de Garnier à ruptura democrática, disse que “entre o apoio e a efetiva execução da medida, há uma enorme distância que não foi percorrida pelo réu”.
Até o anúncio do posicionamento sobre Bolsonaro — que não encerrou sua apresentação —, o voto de Fux já havia durado mais de dez horas e foi marcado por uma série de divergências em relação ao relator, Alexandre de Moraes, e ao ministro Flávio Dino, que votaram favoravelmente à condenação dos réus.
O posicionamento de Fux ao longo de todo o seu voto foi, claro, bem recebido pelos bolsonaristas. Embora não deva mudar o resultado final do julgamento — que caminha para a condenação dos réus — é visto como uma “semente” perigosa para questionamentos futuros por parte das defesas.
Leitura do voto
Já na primeira parte do voto, o ministro Luiz Fux suscitou incredulidade por parte de colegas. Apesar de, há algum tempo, sinalizar possíveis divergências, Fux foi mais longe e se posicionou contrariamente a aspectos basilares do processo — desde o fato de o julgamento ocorrer no STF e na Primeira Turma (ao invés do plenário) até a existência de organização criminosa e da relativização da tese sobre “tentativa” de golpe e de abolição do Estado democrático de direito.
Em um dos pontos centrais de seu voto, Fux sustentou que a Procuradoria-Geral da República não teria comprovado a formação de uma organização criminosa voltada à ruptura democrática.
Para ele, “a existência de um plano criminoso não basta para a caracterização do crime de organização criminosa” e “sem a existência de um vínculo associativo estável e dotado de permanência, não se caracteriza o delito de quadrilha”. Ele também entendeu não ter havido o uso de armas de fogo pelo grupo.
Em outro momento de seu voto, se debruçou sobre os danos ao patrimônio público nos ataques do 8 de janeiro de 2023. Mesmo com claras evidências de incitação, por parte dos líderes da organização, para que a massa de manobra bolsonarista praticasse crimes contra a democracia, Fux defendeu que “um acusado não pode ser responsabilizado por um dano provocado por terceiro. Especialmente se não houver a prova de qualquer vínculo ou determinação direta”.
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Na avaliação do ministro, “a simples alegação de liderança intelectual, desacompanhada de evidências concretas de responsabilidade de um indivíduo pelo dano, não é suficiente para a condenação.”
Fux também argumentou que uma conduta mais grave praticada pelo agente deve absorver a menos grave, ao tratar dos crimes de tentativa de golpe de Estado e tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito.
“No contexto dos crimes apurados nesta ação penal, ministro dessa corte da assentou que são tipos penais diversos efetivamente, mas penso que se imponha a escolha por um deles. Nesta situação específica a que estamos nos referindo, a tentativa de golpe de Estado, na minha visão, absorve o crime de abolição violenta do Estado democrático de direito”, disse, citando o presidente do STF, Luís Roberto Barroso.
Fux disse, ainda, que ninguém pode ser punido por cogitação, ao falar sobre as tentativas de golpe e abolição do Estado democrático de direito. “A tentativa que configura os crimes dos artigos 359-L e 359-M do Código Penal é a que decorre de um ato efetivamente executório, assim compreendido aquele imediatamente anterior à plena realização dos elementos do tipo em que coloca o bem jurídico tutelado em um perigo igualmente imediato. Em acréscimo a essa dupla imediatidade, o ato executório deve ser qualificado pelo dolo, de maneira que o sujeito aja com a resolução de consumar o delito”.
Contradições e incongruências
O voto de Fux suscitou análises variadas. Uma delas é a de que demonstraria a liberdade dos membros da Corte para expor suas opiniões, um importante sinalização para desmontar a absurda tese, defendida por bolsonaristas e pelo presidente dos EUA, Donald Trump, de que o Brasil viveria uma “ditadura de toga”.
Ao mesmo tempo, o ministro parece ignorar a gravidade de tudo o que aconteceu desde, pelo menos, meados de 2021, quando as articulações golpistas foram ganhando forma mais clara até culminar no 8 de janeiro de 2023, conforme aponta denúncia da Procuradoria-Geral da República. É o que demonstra, por exemplo, ao minimizar a minuta golpista e negar a formação de um agrupamento voltado a concretizar uma ruptura institucional.
Além disso, cabe salientar ao menos uma das contradições apontadas entre analistas do julgamento. Ao argumentar que o STF não seria a instância adequada para julgar a ação, já que os réus não têm mais foro privilegiado (mas tinham quando do cometimento dos crimes), Fux contrariou posição que ele mesmo adotou quando votou pela condenação de mais de 400 envolvidos no 8 de Janeiro, nenhum deles com prerrogativa de função.
Sobre os ataques às urnas, Fux disse que “as provas apresentadas pela Procuradoria-Geral da República apenas denotam que o réu Jair Bolsonaro tinha o intuito de buscar a verdade dos fatos sobre funcionamento do sistema eletrônico de votação”. No entanto, conforme lembrou a Agência Lupa, em julho de 2022, em nota assinada pelo magistrado em nome do STF, ele repudiou “a tentativa de se colocar em xeque mediante a comunidade internacional o processo eleitoral e as urnas eletrônicas”.
Há, ainda, muito a ser dito sobre o voto de Fux, que certamente virão à tona com o tempo a partir da análise de juristas e especialistas da área. Mas, de maneira geral, portanto, já é possível dizer que o ministro acabou, voluntária ou involuntariamente, ajudando um grupo de pessoas que, conforme fartamente mostrado nas investigações e no voto de Moraes, conspirou e agiu para enfraquecer as instituições e golpear a democracia brasileira.