Fusões e Aquisições para Estruturação Bancária, por Fernando N. da Costa

Fusões e Aquisições para Estruturação Bancária

por Fernando Nogueira da Costa

Fusões e Aquisições (F&A) tiveram papel absolutamente estratégico na configuração do sistema bancário brasileiro e na própria noção de bancos sistemicamente relevantes. Sem esse processo, ele não teria chegado ao quadro atual de seis grandes bancos (três públicos federais e três privados de grande porte: dois nacionais e um estrangeiro), sendo cinco de varejo e um de desenvolvimento.

A evolução não foi linear. Cada onda de F&A correspondeu a uma fase estrutural da economia e da regulação bancária.

Primeira fase mais marcante, embora tenha iniciado suas preliminares desde 1945, foi a concentração e a centralização bancária pós-1964. A reforma bancária e financeira modernizaram as instituições financeiras e, entre outras, criou o conglomerado financeiro como uma holding das demais.

Pequenas instituições regionais perderam em escala e disponibilidade de tecnologia. Abriram espaço para começar o processo de fusão ou aquisições com bancos privados.

A segunda fase foi demarcada por inflação em alta, desde o choque do petróleo em 1974, e concentração de know-how financeiro para, via moeda indexada (ou overnight), o enfrentamento diante o regime de alta inflação  de 1974 a 1994. Quem captava floating a custo zero e aplicava na correção monetária dos títulos públicos ganhava escala, devido a essa “moeda indexada”. Bancos com forte gestão financeira absorvem os demais.

A “Grande Ruptura” demarcou a terceira fase. O PROER (Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional) foi criado em 1995 com o objetivo principal de evitar uma onda generalizada de bancarrotas no sistema bancário brasileiro, porque enfrentava dificuldades após a implementação do Plano Real. O primeiro Acordo da Basiléia se deu para os bancos ser prevenirem contra as crises internacionais na metade dos anos 1990.

A queda da inflação eliminou as receitas fáceis. O Acordo de Basiléia exigiu mais capital próprio e nem  todos os acionistas conseguiram capitalizar o banco sob seu controle majoritário.

O sistema bancário brasileiro consolidou-se rapidamente com vendas de bancos estaduais para privados. As privatizações permitiram a entrada de grandes bancos estrangeiros em um mercado de varejo antes protegido ou reservado aos nacionais. Esta abertura externa incentivou a série de compras agressivas feitas pelos grandes nacionais privados, principalmente, Bradesco e Itaú. Assim se definiram os atuais líderes privados.

A quarta fase, pós-2000, foi a da digitalização e financeirização do varejo. A escalada tecnológica tornou-se fundamental. Banco com rede nacional e tecnologia comprava quem não tinha condições de competição e aumentava a economia de escala com o maior número de clientes sendo atendido por menos agências e pessoal. Completou-se a formação dos “bancos de varejo universais”.

Efeito Final: Estrutura Oligopolizada com Nichos de Mercado

Tipo Bancos Poder estrutural
Públicos federais BB, Caixa, BNDES (não é varejo, mas direciona crédito em longo prazo via repasses dos demais) Atuam como
estabilizadores sistêmicos e âncoras do crédito
Privados nacionais Itaú, Bradesco Domínio do varejo de alta renda e crédito ao consumo
Privado estrangeiro Santander Estratégia complementar e competição seletiva

O resultado geral foi a altíssima concentração de ativos e depósitos, uma capacidade de coordenação sistêmica sem cartel formal e adequação do poder de formação de taxas e tarifas. A pulverização do sistema bancário brasileiro, desde 1945, foi limitada por barreiras tecnológicas e regulatórias.

As F&A não são meros movimentos empresariais. Na realidade, são respostas organizacionais às exigências sistêmicas do tardio capitalismo financeiro brasileiro. Para bancos privados nacionais entrarem (e permanecerem) entre os big five banks de varejo, tiveram de centralizar e concentrar o capital de bancos concorrentes.

Necessidade sistêmica Resposta via F&A
escala nacional do
sistema de pagamentos
concentração de redes físicas e tecnológicas
gestão da liquidez e risco sistêmico instituições com capitalização elevada
financeirização da massa popular bancos com distribuição capilar e marketing
integração ao mercado global participação de bancos estrangeiros

Sem concentração não haveria bancarização em massa, modernização tecnológica, estabilidade monetária eficaz. Mas com concentração há poder de mercado, captura regulatória, subordinação financeira da reprodução social.

Em conclusão, F&A são um mecanismo-chave da emergência do sistema bancário como totalidade: 1. centralizam os fluxos de pagamento, crédito e riqueza; 2. reduzem redundâncias operacionais; e 3. consolidam os bancos sistemicamente relevantes, cuja quebra ameaçaria o próprio sistema bancário.


Fernando Nogueira da Costa – Professor Titular do IE-UNICAMP. Baixe seus livros digitais em “Obras (Quase) Completas”: http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/ E-mail: [email protected]

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