O jurista Antônio Carlos de Almeida Castro “Kakay” publicou um artigo no portal direitista Poder 360, intitulado Pepe Mujica: uma vida admirável, expondo toda sua admiração pelo ex-presidente uruguaio e ex-guerrilheiro do Movimento de Liberação Nacional – Tupamaros, falecido no último dia 13. Tendo como premissa a ideia de que “quando um político dessa grandeza morre, leva consigo um pedaço da esperança por um mundo mais justo e solidário”, o tom melancólico é acertado, mas não deve ser seguido pela esquerda e o artigo ajuda a explicar o motivo. Diz o advogado:

“A história de vida do ex-presidente do Uruguai é admirável. Sua simplicidade e sua dedicação à causa da igualdade, da fraternidade e da solidariedade deveriam servir como exemplo, especialmente para a classe política brasileira.”

Certo, mas o que foi feito por Mujica “à causa da igualdade, da fraternidade e da solidariedade”? O autor não diz, apenas repete a velha demagogia amplamente difundida pela máquina de propaganda imperialista, “viver de maneira modesta, de ter um fusca velho, morar em um sítio bastante simples e de doar parte do seu salário”.

O artigo de Kakay é inteiramente dedicado a enaltecer a figura de Mujica como um grande homem público. Contudo, ao tentar demonstrar essa grandeza, o autor não a sustenta sob uma perspectiva política, o que torna seu texto particularmente interessante. O enfoque do jurista recai sobre um personalismo exacerbado, retratando Mujica como uma figura quase mística, um “ser de luz”, digno de destaque segundo o jurista.

Essa escolha, no entanto, não é casual. Analisar o mérito político da atuação de Mujica exigiria abordar questões complexas e contextos históricos específicos. Por exemplo, durante o período em que o ex-Tupamaro foi chefe de Estado do Uruguai, diversos líderes progressistas na América Latina enfrentaram sérias adversidades.

Fernando Lugo foi deposto no Paraguai, a presidenta Dilma Rousseff sofreu um impeachment no Brasil, e a onda de golpes, iniciada em 2009 com a queda de Manuel Zelaya em Honduras, continuou com perseguições a figuras como Rafael Correa, no Equador, e até mesmo a prisão do presidente Lula, no Brasil. Na Argentina, o kirchnerismo (ala esquerda do peronismo e um dos principais expoentes do nacionalismo argentino), também foi alvo de pressões e perseguições, com a ex-presidente Cristina Kirchner enfrentou ameaças de prisão, o que acuou sua liderança e fortaleceu o macrismo, em um primeiro momento, e o atual movimento que levou Javier Milei ao poder.

Fora da América Latina, o Euromaidan na Ucrânia é um exemplo emblemático, mas não isolado, de vitórias do imperialismo na tentativa de retomar o controle político em diversos países. Nesse cenário de ataques generalizados à esquerda e às forças de oposição ao imperialismo, o fato de o governo Mujica ter sido ignorado chama atenção.

Porque em todo o planeta, o imperialismo não poupou esforços para reforçar sua ditadura, mas o Uruguai foi “esquecido”? Esse um debate importante a ser travado.

De duas uma: ou Kakay considera o imperialismo – responsável, por exemplo, pelo massacre de milhares de crianças palestinas no momento atual – uma força humanista e progressista, compatível com a soberania uruguaia, ou Mujica não é verdadeiramente progressista e consequentemente. Claro que a segunda opção é a única amparada pela realidade.

O cerne da crítica está justamente na ausência de fundamentação: Kakai exalta Mujica, mas não consegue demonstrar a relevância política de sua liderança, o que compromete a consistência de suas colocações. Na realidade, o que o jurista tem a enaltecer no ex-presidente uruguaio é o que a propaganda imperialista difunde e mais nada, e isso diz muito tanto sobre Mujica quanto sobre Kakay.

Como que para não deixar dúvidas quanto à natureza extremamente direitista de sua política, o jurista termina defendendo uma das coisas mais monstruosas que a sociedade de classes produz: o cárcere. “A solidão da cadeia”, especula Kakay, “pode potencializar os valores humanísticos que o preso carrega na sua formação”. Uma verdadeira pérola que torna difícil a distinção entre o autor e os demais ideólogos do bolsonarismo, apaixonados entusiastas da repressão.

Que um direitista mais ou menos assumido como Kakay abandone a política e use argumentos morais para enaltecer um instrumento do imperialismo, e consequentemente, a política dos verdadeiros responsáveis por todas as monstruosidades do mundo (incluindo-se aí o genocídio do povo palestino), não é tão estranho. Que o Poder 360 publique essa propaganda da ditadura imperialista, também. O estranho é que tais ideias encontrem espaço na esquerda.

O campo político dos trabalhadores não deve se deixar seduzir por colocações moralistas, que ignorem o verdadeiro papel desempenhado por um político na luta entre interesses antagônicos para elogiar alguém por “viver de maneira modesta, ter um fusca velho, morar em um sítio bastante simples e de doar parte do seu salário”. Que interesse às bases da esquerda se Mujica dirigia um fusca ou qualquer outro tipo de carro. Interessa, isso sim, que ele tenha se prestado a ser o braço esquerdo do imperialismo quando governo Biden tentou um golpe de Estado na Venezuela.

Na ocasião, é preciso lembrar, Mujica não titubeou em dizer que o país sob cerco do imperialismo “não é uma democracia”, colocando-se no colo dos EUA para atacar a revolução bolivariana. Independente de qual carro dirige o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, o líder bolivariano é o maior opositor dos assassinos de crianças palestinas na América do Sul, o que é muito mais importante para estudantes e trabalhadores do que as besteiras elencadas por Kakay como virtudes, mas que só servem para seduzir despolitizados. E foi justamente ele que Mujica achou de classificar como

É a política o que importa, não os preceitos morais. Isso é o que a esquerda sempre defendeu e por isso mesmo, sempre se diferenciou do moralismo da direita. Não há de ser agora, com o imperialismo assassinando crianças em escala industrial na Palestina, que os trabalhadores devem abandonar a luta de classes como referência para se orientarem politicamente e adotar a moral como princípio norteador, como querem propagandistas da ditadura imperialista como Kakay.

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Last Update: 18/05/2025