Fundos Soberanos de Riqueza como finanças pacientes para a transição justa no Brasil

por Fernando Amorim Teixeira

Foi lançado recentemente o Boletim Especial do FINDE, que trata do papel dos Fundos Soberanos na promoção do desenvolvimento sustentável[1]. A publicação conta com contribuições de quinze especialistas, entre acadêmicos, gestores públicos e pesquisadores do Brasil e do exterior que abordam um tema atual e fundamental no contexto da crise climática. Está organizado a partir de uma lógica que parte do geral para o específico — das tendências globais às análises sobre o potencial papel que os fundos soberanos subnacionais brasileiros podem desempenhar no desenvolvimento nacional, regional e local de forma sustentável.

Em termos gerais, os fundos soberanos possuem caráter nacional e são administrados no âmbito federal, de forma separada das reservas internacionais, mesmo quando geridos por bancos centrais. Seus ativos costumam estar denominados em moeda estrangeira — principalmente dólar —, e os investimentos são majoritariamente realizados no exterior. Dessa forma, esses fundos se inserem no arcabouço macroeconômico dos países, atuando na intersecção entre política monetária, ao reduzir a necessidade de esterilização da moeda doméstica; política cambial, ao mitigar a volatilidade cambial; e política fiscal, por meio de regras específicas para saques e utilização dos recursos.

Nos últimos anos, observa-se uma expansão desses instrumentos de gestão intertemporal em diversas partes do mundo, acompanhada por mudanças na alocação de portfólios. Cresce a incorporação de objetivos estratégicos alinhados às prioridades nacionais e à promoção do desenvolvimento econômico, social e ambiental. Em sua maioria, esses fundos são financiados por superávits comerciais de países exportadores de commodities, embora existam exceções relevantes, como os fundos não vinculados a commodities da China e de Cingapura. Em 2024, havia mais de 100 fundos soberanos operando em aproximadamente 60 países, gerindo ativos que somam entre 9 e 13 trilhões de dólares.

Embora os Fundos Soberanos de Riqueza (FSR) não sejam uma novidade no cenário internacional, sua atuação vem ganhando novas dimensões diante dos desafios contemporâneos. No cenário internacional, a agenda climática tem atraído um percentual crescente de fundos com mandatos específicos voltados para investimentos sustentáveis. Segundo o The Centre for the Governance of Change (2024), esse percentual saltou de 14% em 2022 para 29% em 2023.

Outro movimento relevante é o aumento da participação desses fundos no financiamento de projetos relacionados à transição energética. Vale destacar que o horizonte de longo prazo com que os fundos operam permite uma atuação diferenciada em relação a outros investidores institucionais, especialmente no papel de catalisadores de investimentos de impacto.

Nesse contexto, surgem tanto desafios quanto oportunidades. Do lado dos desafios, destaca-se a necessidade de aprimorar a capacidade dos fundos em avaliar a qualidade e a credibilidade dos planos de negócios, bem como compreender os impactos da nova realidade climática na gestão de seus ativos. Além disso, torna-se cada vez mais relevante o desenvolvimento de mecanismos de compartilhamento de riscos com outros atores financeiros, por meio de estruturas como blended finance, cofinanciamento e financiamento híbrido.

No Brasil, atualmente existem pelo menos dez fundos soberanos subnacionais, localizados nos municípios de Ilhabela (SP), Maricá (RJ), Niterói (RJ), Saquarema (RJ), Congonhas (MG), Itabira (MG), Conceição do Mato Dentro (MG) e Curitiba (PR), além dos estados do Rio de Janeiro e do Espírito Santo. Esses fundos têm, em geral, como fonte de recursos parte das receitas provenientes de royalties e participações especiais arrecadados sobre a produção de petróleo e da Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM), pagos pelas empresas produtoras aos governos locais. Funcionam, portanto, como uma poupança pública voltada a garantir a implementação de políticas que estimulem o desenvolvimento local, favorecendo a diversificação econômica e a sustentabilidade de longo prazo, considerando que os recursos oriundos da exploração de riquezas naturais são finitos.

Contudo, para que esses fundos possam de fato exercer seu papel estratégico como catalisadores de investimentos em setores-chave para a transição para uma economia de baixo carbono com justiça social, é fundamental que se construa uma regulamentação específica, capaz de oferecer segurança jurídica aos gestores e permitir a construção de políticas de investimento mais robustas e ousadas. Atualmente, esses fundos estão enquadrados como “Fundos Especiais”, o que impõe uma série de restrições à sua plena participação no ecossistema de finanças sustentáveis, sempre respeitando seus objetivos e as regras de saque.

Nesse sentido, foi aprovado no PL 6235/2023 que criou as Letras de Crédito de Desenvolvimento (LCDs) em 2024 que o Conselho Monetário Nacional (CMN) está dotado de poderes para regulamentar os fundos subnacionais. O Fórum de Fundos Soberanos Brasileiros (FFSB) vem dialogando com o colegiado do CMN para a construção de uma resolução adequada, e a expectativa é que, até a COP30, essa agenda avance de forma decisiva para atrair os necessários investimentos para os territórios de forma inclusiva e sustentável.

Fernando Amorim Teixeira – Doutor em Economia pela Universidade Federal Fluminense, pesquisador do Finde e Diretor de Sustentabilidade e Projetos Especiais do Fórum de Fundos Soberanos Brasileiros (FFSB)

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O Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento (FINDE) congrega pesquisadores de universidades e de outras instituições de pesquisa e ensino, interessados em discutir questões acadêmicas relacionadas ao avanço do processo de financeirização e seus impactos sobre o desenvolvimento socioeconômico das economias modernas. Twitter: @Finde_UFF

Grupo de Estudos de Economia e Política (GEEP) do IESP/UERJ é formado por cientistas políticos e economistas. O grupo objetiva estimular o diálogo e interação entre Economia e Política, tanto na formulação teórica quanto na análise da realidade do Brasil e de outros países. Twitter: @Geep_iesp


[1] https://finde.uff.br/wp-content/uploads/sites/43/2025/05/Boletim-Especial-FFSB-Finde.pdf

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Last Update: 20/06/2025