Por Maria Silva – Estima-se que exista mais de 38 milhões de pessoas na informalidade no Brasil, com alta desde a reforma trabalhista. O governo anterior tentou, inclusive, aprofundar a reforma, com mais projetos de flexibilização, como a “carteira verde e amarela”, mas não passou no Congresso.

Os dados consolidados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do IBGE, demonstram que o mercado de trabalho esteve longe de criar os “milhões” de empregos prometidos. Ao contrário, aumentou a plataformização do trabalho, o emprego formal encolheu e os trabalhadores vivem hoje com pouca ou nenhuma proteção trabalhista.

Nas últimas semanas, viralizou nas redes sociais a chamada CLT Premium, com uma grande curiosidade das pessoas sobre os benefícios que algumas empresas podem oferecer para seus funcionários, como o vale-refeição e alimentação maior que dois salários mínimos, home office, entre outros.

O que muitos chamam de benefício, é resultado de muitas lutas, de diversas categorias, durante décadas no país. No século XIX o trabalho era considerado uma mercadoria como outra qualquer e, portanto, podia ser negociado de acordo com as regras de mercado, sem nenhuma interferência. Esse cenário gerou condições de trabalho, jornada e remuneração tão desumanas que a sociedade se mobilizou e passou a criar instituições para regular a relação de emprego, como as leis trabalhistas, a justiça do trabalho e a organização sindical. A organização dos trabalhadores conquistou a jornada de 8 horas, não sem muito conflito e mortes. No Brasil, Getúlio Vargas criou a CLT como forma de dar condições mínimas aos trabalhadores e evitar levantes e revoluções. O movimento sindical cutista nasceu questionando o modelo varguista e propondo uma central única para que trabalhadores do campo e das cidades pudessem se organizar e lutar por melhores condições de vida e trabalho.

O modelo questionado outrora, o mínimo, nos dias atuais virou sinônimo de “máximo”, “plus”, “premium”, mas não nos enganemos. Os direitos foram rebaixados e quem manteve os seus, como os bancários, são tratados como quem tem status, ou benesses.

Benefício? Não, luta sindical. O salário mínimo necessário para uma família deveria ter sido de R$ 6.995,44 em julho/2024, calcula o Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos). O valor corresponde a 4,95 vezes o valor do salário mínimo atual, que é de R$ 1.412,00. E estamos longe disso.

Na nossa categoria, cada bancário recebe anualmente R$ 23.597,95 com VA/VR, valor quase 40% superior ao valor anualizado do salário mínimo (incluindo 13º salário). O valor do piso da categoria, Caixa e Tesoureiro, inicial é de R$ 3.514,86 é 2,6 vezes superior ao salário mínimo.

Cada avanço é resultado de uma árdua negociação entre os trabalhadores e os banqueiros. Na Campanha de 2022 foram quase vinte rodadas de reuniões, em mais de 70 dias de campanha de rua, redes sociais, de consultas, assembleias e plenárias. Após muita pressão, os bancos recuaram e apresentaram proposta ao Comando Nacional dos Bancários com acordo de dois anos, com aumento de 10% em vales alimentação (VA) e refeição (VR), mais uma 14ª cesta alimentação de R$ 1 mil paga somente este ano (até outubro); e reajuste de 13% para a parcela adicional da Participação nos Lucros e Resultados (PLR) em 2022. Para 2023, a proposta prevê aumento real de 0,5% (INPC + 0,5%) para salários, PLR, VA/VR e demais cláusulas econômicas.

Além disso, conseguimos aumento acima da inflação para os vales alimentação e refeição, um dos anseios que a categoria nos demonstrou na última Consulta Nacional dos Bancários, mas também, pela primeira vez, conseguimos incluir uma cláusula que nos permite acompanhar as cobranças de metas. Também tivemos avanços no combate ao assédio sexual, uma das principais reivindicações do tema “igualdade de oportunidades”. A cláusula prevê canal de denúncia específico; medidas de apoio às vítimas; a realização de campanhas de prevenção e combate ao assédio sexual nos locais de trabalho; e o acompanhamento da temática através da Comissão Bipartite de Diversidade.

Esse ano, na Campanha Nacional Unificada 2024, as mesas de negociação seguem temas específicos. Já tratamos de emprego e terceirização; cláusulas sociais que incluiu teletrabalho e jornada de 4 dias semanais sem redução salarial; igualdade de oportunidades, focando no cumprimento da lei de igualdade salarial e políticas de inclusão para pessoas trans; mesa temática PCDs, pessoas neurodivergentes e segurança bancária; na última rodada tratamos sobre saúde dos trabalhadores, enfatizando o adoecimento da categoria relacionado à saúde mental. A cada mesa trazemos dados, comparações internacionais e a percepção dos trabalhadores, inclusive, com depoimentos.

Atualmente temos a fragmentação do mercado de trabalho como um grande desafio. São milhões de trabalhadores sem carteira ou na modalidade conta própria que não organizados acabam por ter condições laborais mais precarizadas com menores rendimentos e proteção social.

Com todas as transformações nas últimas décadas, o objetivo do sindicato permanece sendo esses, no entanto cabe às organizações compreender as transformações para modificar estratégias de atuação e garantir o seu protagonismo na regulação da relação de trabalho para que a categoria avance cada vez mais em suas reivindicações e que a classe trabalhadora volte a ter carteira assinada com proteção e direitos trabalhistas como um país desenvolvido deve ter. Sigamos lutando por isso.


*Maria Silva é presidenta do Sindicato dos Bancários e Financiários de São Paulo, Osasco e Região

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Última Atualização: 02/08/2024