O juiz Mario Caymmi Gomes afirma ter sido submetido ao linchamento moral após ser aposentado compulsoriamente pelo Tribunal de Justiça da Bahia na última semana. O processo administrativo tramita sob sigilo – e, segundo o magistrado, sua defesa sequer foi informada do julgamento.
Caymmi disse ainda, em entrevista a CartaCapital, que deve acionar a Corte Interamericana de Direitos Humanos em busca de responsabilização pelo que chamou de “ato flagrante de preconceito e homofobia”. Além disso, avaliou o julgamento no TJ baiano como um campo de guerra, onde se precisava “atacar e eliminar um inimigo”.
“Foi construída uma imagem ali de que sou o diabo, o gay inssureto, o problemático, o mal. A situação é tão grave que quem me defendesse parecia que seria linchado. Aquilo não foi um julgamento. No bojo disso, deixou-se de lado qualquer preceito jurídico de imparcialidade”, disse o juiz à reportagem neste domingo.
Os desembargadores baianos consideraram que Caymmi apresentou “conduta incompatível com a magistratura”. A decisão foi tomada no âmbito do processo aberto após a polêmica envolvendo um edital de vagas de estágio destinadas exclusivamente a pessoas LGBTQIA+. A aposentadoria compulsória é a penalidade administrativa mais grave aplicada a juízes vitalícios.
“Quem tem que dizer que o aconteceu comigo é homofobia? Eu tenho que esperar que os desembargadores do TJBA assumam publicamente: ‘eu sou homofóbico’? Claro que não. A homofobia fica patente quando eles falam a meu respeito, o nível de ódio e na escolha dos argumentos”, acrescentou Caymmi.
O edital em questão foi suspenso dias depois pelo desembargador José Edivaldo Rocha Rotondano, à época corregedor-geral do TJ baiano, sob a alegação de haver equívocos na redação e na “adoção de regras excludentes em desproporcionalidade”. A decisão, contudo, foi o estopim para uma troca de farpas públicas entre ambos.
Ao se pronunciar sobre a suspensão em entrevista a uma rádio local, o juiz se disse inconformado porque a determinação partiu de “um corregedor que é gay, ainda que ele não se assuma”. E completou: “Isso não é fofoca. Tem a ver com o caso. Sei que ele é gay, pois ele teve caso com meu marido, antes de ele me conhecer. Foi casado com vereador de Mata de São João”.
A reclamação disciplinar contra o juiz da 27ª Vara de Substituições de Salvador partiu do presidente do tribunal, Nilson Castelo Branco. Ele alegou que o lançamento do edital fez a imagem da Corte ser “vilipendiada” devido à veiculação nas redes sociais de “fatos inverídicos e distorcidos” sobre as ações e as políticas públicas desenvolvidas pelo tribunal.
Caymmi afirma que o TJ baiano baseou-se “sentimentos de perseguição” ao julgá-lo. Mas, segundo ele, os argumentos utilizados pelos desembargadores podem facilitar sua vida, uma vez que estão repletos de preconceito. “Irei resistir, porque não cheguei até aqui de carona. Dispendi trabalho e esforço para defender que LGBT+ possam ocupar lugar no Poder Judiciário”.
O magistrado ainda criticou o Poder Judiciário pela tentativa de se apresentar como “o mundo fora do mundo”, para afastar acusações de parcialidade, por exemplo. Além disso, afirmou ver um esvaziamento de pautas importantes por juízes e juízas que vêm nessas pautas uma forma de disputar o poder.
“Os programas de diversidade, equidade racial, equidade de gênero, em geral são tratados da seguinte forma: forma-se uma comissão em que vale mais a vontade política dos juízes e juízas de lutar para estar ali, mesmo que nenhum deles saiba nada sobre a temática que está sendo colocada”.