
O que começou como um sonho de empreender com a maior franquia de chocolates do país, a Cacau Show, terminou como um pesadelo para diversos ex-franqueados. Relatos reunidos pelo Metrópoles revelam um cenário de endividamento extremo, problemas de saúde e acusações de práticas abusivas por parte da franqueadora.
A expectativa de sucesso rápido é alimentada pela imagem da marca e por promessas iniciais de suporte. No entanto, ex-parceiros relatam que logo após assinarem o contrato, surgem cobranças não previstas, taxas extras, aditivos contratuais e mudanças unilaterais nos preços dos produtos.
Para continuar operando, muitos franqueados investem ainda mais recursos, acumulando dívidas impagáveis — muitas vezes dando casas e carros como garantia. Quando o negócio não vai bem, a saída se torna quase impossível sem prejuízos milionários.
A ex-franqueada Irene Angelis, que chegou a ter seis unidades da Cacau Show, afirma que perdeu cerca de R$ 3 milhões. “Quanto mais franqueado quebrar, mais o dono lucra com taxas e juros. Virou uma indústria”, denuncia. Ela desenvolveu síndrome do pânico e insuficiência cardíaca após os prejuízos.
Outras franqueadas relatam consequências graves para a saúde mental, incluindo crises de ansiedade, insônia e até pensamentos suicidas. Uma delas diz ter perdido completamente a motivação para viver após acumular uma dívida de R$ 750 mil com a franquia. “Me sinto uma morta-viva”, desabafa. “Achei que o problema era comigo, me esforcei ao máximo, mas só afundei ainda mais”, completa.
Uma das histórias mais chocantes envolve uma franqueada que perdeu tudo nas enchentes que devastaram o Rio Grande do Sul em 2024. Mesmo com a loja completamente destruída, ela afirma que foi cobrada por produtos perdidos, incluindo royalties e taxas sobre mercadorias que foram levadas pela água.
“Fui cobrada como se nada tivesse acontecido. Não recebi apoio nem desconto. Só cobranças”, desabafa. Ao tentar rescindir o contrato e negociar a dívida, a franqueadora teria se negado a flexibilizar qualquer valor.

Segundo relatos, o ambiente dentro da rede é comparado a uma “seita corporativa”, com controle rígido e punições para quem questiona as regras. Alexandre Tadeu da Costa, fundador e CEO da Cacau Show, costuma liderar eventos motivacionais e visitas, descritas como momentos “devocionais”.
Franqueados que tentaram denunciar abusos ou irregularidades dizem que foram retaliados. Entre as práticas denunciadas estão o envio de produtos próximos do vencimento e de baixo giro, o que inviabiliza as vendas e aumenta o prejuízo. A estratégia, segundo eles, seria sufocar financeiramente quem não se alinha à liderança.
Um dos trechos de uma decisão judicial, assinada pelo juiz Julio Roberto dos Reis, aponta que as ações da Cacau Show ferem a liberdade profissional e representam revanchismo contra franqueados em litígio, impedindo inclusive o fornecimento de produtos.
Com medo de novas retaliações, muitos franqueados optam pelo anonimato. Ainda assim, surgiram iniciativas como o perfil “Doce Amargura”, criado por uma franqueada que usa pseudônimo para reunir relatos de abusos na rede. Após criar a página, ela diz ter recebido uma visita inesperada do vice-presidente da Cacau Show, Túlio Freitas, em sua loja no interior de São Paulo.
Segundo ela, o executivo questionou “o que seria necessário” para que ela deixasse de publicar as denúncias. A empresária tenta na Justiça rescindir o contrato.
Procurada, a Cacau Show afirmou em nota que não reconhece as alegações publicadas pelo perfil Doce Amargura. A empresa declara que “preza por relações transparentes e respeitosas com seus franqueados” e que cada experiência na rede é “única e pessoal”.
A empresa justificou ainda que as visitas do vice-presidente fazem parte das funções do cargo e não têm relação com o perfil mencionado. “Não compactuamos com condutas que contrariem os valores da marca”, finaliza a nota.