O pontificado de Francisco foi marcado por um caminho de renovação pastoral, transformação eclesial e compromisso com as realidades humanas em condições de abandono e marginalidade em diversas partes do mundo. Sua condução nos 12 anos de papado foi caracterizada pela coerência entre palavras e gestos, sustentada por alguns eixos centrais que moldam sua proposta de Igreja e de sociedade no século XXI.

Merece destaque sua preocupação permanente com toda a humanidade que sofre e vive oprimida pela guerra, uma das piores mazelas de nosso século.

Diante de tanta dor, tristeza e morte, o Papa nos exortava a viver conforme apresentado por Mateus no sermão das bem-aventuranças, no qual se pode dizer que a pedagogia de Jesus é plenamente apresentada com a identificação da essência de seus ensinamentos voltados para todas as pessoas: “bem-aventurados os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus”.

Sua ação pastoral e sua doutrina foram marcadas pela misericórdia como um dos alicerces de seu pontificado.

Para ele, a misericórdia era a própria expressão de Deus, revelada pela compaixão por meio das ações humanas. Desde a proclamação do Jubileu Extraordinário da Misericórdia (2015–2016), o Papa enfatizou continuamente que “o nome de Deus é Misericórdia” — título, inclusive, de um de seus livros. Esse eixo se concretizou em sua prática pastoral inclusiva e acolhedora: acolhimento dos divorciados em segunda união, sensibilidade às situações irregulares, atenção às periferias geográficas e existenciais. Francisco não relativizou a doutrina, mas a interpretou à luz da misericórdia, propondo uma pastoral baseada no discernimento e na compaixão, conforme exemplificado na exortação Amoris Laetitia (Alegria do Amor- 2016).

A prática da misericórdia se traduziu em outro eixo sempre destacado por Francisco: a “Igreja em saída”. Esse princípio foi utilizado para descrever uma práxis em que a comunidade religiosa se compromete a abandonar o distanciamento e a vaidade interior para se tornar missionária e acessível. Essa condição se expressa como elemento programático na exortação apostólica Evangelii Gaudium (Alegria do Evangelho 2013), considerada a carta magna de seu pontificado. Francisco convocou toda a Igreja — Bispos, Presbíteros, Religiosos, Leigos e Leigas — a abandonar a inércia pastoral e ir ao encontro dos que estão distantes, geográfica e existencialmente. Essa Igreja em saída é, antes de tudo, espiritual: sair de si mesma, do egoísmo institucional para redescobrir a natureza missionária e samaritana. A evangelização, portanto, não se reduz à doutrinação, mas é o anúncio jubiloso da Boa-Nova anunciada ao mundo por meio da ressurreição do Senhor, com ternura, escuta e respeito.

Inspirado por São Francisco de Assis, o Papa resgatou a pobreza evangélica como sinal de autenticidade cristã em gestos concretos, como viver com simplicidade, recusar os símbolos do poder papal e priorizar os pobres em sua agenda pastoral e diplomática. A opção preferencial pelos pobres, presente na tradição latino-americana, assumiu um caráter universal sob Francisco, que denunciou a “economia que mata”, o descarte dos idosos, dos migrantes, dos povos originários e empobrecidos.

A solidariedade, concebida por ele, não é caridade esporádica, mas estrutura evangélica da vida social com conexão direta entre a vida humana e o meio ambiente no qual ela se realiza; portanto, a concepção de caridade deve ser estendida a toda a comunidade de vida planetária, pois, como dito na Encíclica Laudato Si’ (Louvado seja), “tudo está interligado, como se fôssemos um”. Esse é um marco essencial, pois nele se assenta o alicerce ecológico proposto: a ecologia integral.

Esse documento reconhece que a crise ambiental está profundamente vinculada à crise social e espiritual, e que o cuidado com a criação exige conversão pessoal, comunitária, estrutural e ecológica.

Com isso, Francisco inseriu a questão ambiental no âmago da doutrina social da Igreja e gestou uma espiritualidade ecológica, uma nova ética do consumo e uma política comprometida com as gerações futuras. A proposta é profundamente bíblica, centrada na harmonia da criação e na fraternidade universal.

Um dos legados mais significativos do pontificado de Francisco foi a redescoberta da sinodalidade, traduzida pelo “caminhar juntos”, em que todo o povo participa da escuta, discernimento e decisão sobre os rumos da missão eclesial. Essa mudança pode ser traduzida nas palavras dele na comemoração dos 50 anos da instituição do Sínodo dos Bispos, afirmando que “o caminho da sinodalidade é precisamente o caminho que Deus espera da Igreja do terceiro milênio”, revelando a feição de uma Igreja mais aberta à comunidade, mais participativa e, portanto, mais inclusiva.

Os pontos centrais do pontificado do Papa Francisco — misericórdia, missão, pobreza evangélica, ecologia integral e sinodalidade — constituíram uma síntese orgânica de sua visão de Igreja. Esses elementos não foram frações isoladas, mas dimensões interligadas e conectadas de uma proposta evangélica que buscou renovar a fé cristã na humanidade. Foi um pontificado profético, que desafiou e incomodou estruturas de poder e governos na denúncia firme e permanente contra todas as formas de violência, sofrimento e morte; ao mesmo tempo que reacendeu a chama missionária, profética e anunciadora da Boa Nova do Evangelho: a compaixão, o serviço e a esperança ativa.

Em um mundo marcado por profundas desigualdades sociais, crises ambientais, polarizações políticas e perda de referências éticas, a figura de Francisco emergiu como um sinal de esperança e diálogo. O Papa assumiu um papel central não apenas dentro da Igreja Católica, mas também no cenário global, como uma voz potente em defesa da dignidade humana, da paz e da fraternidade.

Sua importância se revelou na forma como resgatou a essência do Evangelho: a misericórdia, a simplicidade e a proximidade com os mais pobres e vulneráveis. Em vez de uma Igreja centrada em normas e estruturas, propôs a acolhida, destinada ao encontro dos que sofrem, que escuta antes de julgar e que serve antes de impor. Sua liderança apontou para uma espiritualidade do cuidado, centrada na ternura e no compromisso com os sofredores e marginalizados.

Francisco foi e, por meio de seu exemplo, continuará sendo uma referência em temas globais urgentes. Com a encíclica Laudato Si’, ele trouxe ao centro do debate, de forma inédita, o cuidado com a criação interseccionado com a justiça social. No campo político e diplomático, sua atuação buscou sempre construir pontes de diálogo, reconciliação e de promoção da paz, demonstrada em suas viagens a regiões de conflito e em seus apelos constantes ao diálogo inter-religioso.

O Papa Francisco deixa como legado seu testemunho firme, profético, com uma herança espiritual capaz de inspirar a nova construção social mais humana, mais comprometida com a Harmonia Universal. Em meio às turbulências e aos complexos desafios do nosso tempo, ele foi um luzeiro de esperança, fraternidade, respeito e acolhida para toda a humanidade, em especial com um olhar carinhoso para os vulneráveis, sofredores e marginalizados de nossos dias.

 

Gleide Andrade

Secretária Nacional de Finanças e Planejamento do PT

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Last Update: 27/04/2025