Francisco Chagas – Ucrânia: O Fim de uma Ilusão Estratégica e a Reconfiguração Forçada da Europa

No tabuleiro das grandes potências, só há duas posições possíveis:

Ser sujeito da própria história ou peça descartável nas mãos dos outros. 

A guerra da Ucrânia revela, com brutalidade, a distância entre a propaganda e a realidade. O que muitos governos ocidentais venderam como uma “derrota inevitável da Rússia” transformou-se no oposto: um processo de desgaste acelerado de um Estado que foi convertido em linha de frente da estratégia de contenção dos EUA. Hoje, a Ucrânia luta não apenas contra o poder militar russo, mas contra suas próprias ilusões — e contra a fadiga estratégica de quem a instrumentalizou.

Para entender esse momento, é preciso recorrer aos clássicos e aos analistas sérios, aqueles que não dependem de consensos midiáticos. Jomini já alertava: uma campanha não se vence com discursos, e sim com o controle dos pontos decisivos e das linhas internas. É justamente isso que a Rússia vem fazendo desde 2022. A sua suposta “lentidão” sempre foi, na verdade, um cálculo: desgastar a infraestrutura ucraniana, romper camadas defensivas e minar a capacidade de reposição de Kiev.

Clausewitz nos oferece a segunda chave: o centro de gravidade da Ucrânia está fora de seu território. Está no Congresso dos EUA, nas incertezas da União Europeia, nas disputas internas da OTAN. Um país cujo esforço de guerra depende do humor político de terceiros já perdeu metade da batalha. Quando o fluxo de munições atrasa, quando a energia elétrica oscila e quando a mobilização se torna forçada, não se trata apenas de “fricção”: trata-se de erosão estrutural da vontade política.

É esse diagnóstico que analistas como Macgregor, Scott Ritter, Martyanov, Farinazzo e Laterza vêm apontando há dois anos — muitas vezes contra a corrente de análises confortáveis. Eles convergem em algo que hoje é inescapável: a Ucrânia entrou num cenário de desgaste irreversível. Não possui homens suficientes, munição suficiente, energia suficiente, nem apoio externo confiável. A guerra moderna é industrial, não ideológica. E, nessa guerra, a Rússia opera numa escala que o Ocidente simplesmente não consegue igualar no curto prazo.

O que esperar de 2025 e 2026? O cenário mais provável é duro: avanço russo contínuo, ruptura da defesa em torno de Kramatorsk e colapso do eixo Kupyansk–Slavyansk. A partir daí, abre-se a possibilidade real de uma retirada ucraniana para Dnipro ou mesmo de um rearranjo interno forçado — político antes de militar. Odessa e Kharkov entram, inevitavelmente, no horizonte operacional.

O “congelamento da linha de frente” é apresentado por alguns como alternativa “realista”. Mas seria apenas um armistício da exaustão, sem restaurar a capacidade ucraniana de manter uma defesa sustentável. A OTAN já deixou claro o limite de seu comprometimento: discurso forte, entrega fraca. A Europa não tem base industrial para sustentar uma guerra longa; e os EUA têm prioridades estratégicas muito além do Donbass.

Resta o cenário mais perigoso: a escalada indireta. Tropas ocidentais “não-combatentes”, autorização para ataques profundos dentro da Rússia, ou a tentativa de abrir novas frentes híbridas. Mas este é um jogo que Moscou não tolerará. A resposta seria dura — e diretamente sobre a infraestrutura militar que sustenta o esforço ucraniano em solo europeu.

A verdade que muitos ainda evitam encarar é simples:
a Ucrânia foi arrastada para uma guerra maior do que sua própria capacidade nacional.

E o preço será pago não apenas no mapa, mas na própria estrutura de poder da Europa.

O mundo que emergirá após essa guerra não será o da expansão infinita da OTAN, mas o da multipolaridade consolidada — com ou sem a aceitação do Ocidente.


Dez 2025   –   Francisco Chagas  
Cientista Social – vice presidente do PT paulista, ex vereador e deputado federal – escreve aqui sobre Analise Geopolítica

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