“O nacionalismo é um fenômeno histórico que surge na era das revoluções,
como uma resposta à crise da ordem tradicional”. Eric Hobsbawm
Esse artigo é uma contribuição das reflexões necessárias para a militância de
esquerda, em particular a petista, quando o PT completar 45 anos e teremos o
Processo de Eleições Diretas (PED) em 06 julho. Acredito que o debate sobre a questão
nacional e o nacionalismo tem profundo apelo nos brasileiros e brasileiras de todas as
gerações, em especial no imaginário, daqueles que viram no globalismo imperialista
apenas um discurso que piorou a sua vida real cotidiana.
O nacionalismo é uma construção histórica, portanto está sobrecarregada de força
política e ideológica. As forças em curso na história o conduzem a fim de concretizar o
seu projeto de nação como uma comunidade de destino.
O sentido de comunidade de destino que congrega uma identidade coletiva de uma
nação, baseia se na crença de que todos temos uma história, uma cultura e uma
língua em comum. No caso brasileiro a comunidade destino está amalgamada em um
território, com uma língua hegemônica, de múltiplas culturas que se fundiram numa
diversidade cultural, com ricos recortes regionais, profundo fosso de desigualdades
econômica e social, e indisfarçáveis preconceitos étnicos, raciais, sexuais e religiosos.
AS EXPERIÊNCIAS NACIONALISTAS DO BRASIL
Getúlio Vargas (1930 -1945 e 1951 – 1954)
O Brasil deu passos significativos para consolidar uma base nacionalista da nossa
economia com a criação da Companhia Siderurgica Nacional (CSN) em 1941. Em 1953
criou a Petrobras que se tornou a principal empresa estatal de petróleo e gás e hoje
constitui uma das maiores empresas petrolíferas do mundo.
Na área social criou a consolidação das leis do trabalho (CLT) em 1943, recentemente
desmontada pelo governo golpista de Michel Temer com grande impacto negativo na
vida da classe trabalhadora. Em 1945 criou o Instituto Nacional de Seguro Social
(INSS), que também sob governo de Bolsonaro foi reformada e precarizada trazendo
grande prejuízo ao povo brasileiro.
Getúlio também construiu grandes obras de infraestrutura como a Rodovia Castelo
Branco e a Hidrelétrica de Paulo Afonso.
Juscelino Kubitschek (1956 -1961)
O Brasil viveu um período desenvolvimentista com o Plano de Metas, para áreas como
energia, transporte, alimentação, indústria e educação. O objetivo era crescimento
econômico e modernização e tinha como meta síntese a construção de Brasília. Na
área social Juscelino criou a Lei de diretrizes de base da educação e a expansão da
educação básica. Criou o ministério da saúde e expandiu o serviço de saúde. Criou o
Instituto Nacional de Previdência Social (INSS). Criou o Banco Nacional da Habitação
com expansão da habitação popular. Criação da Lei do Salário-Mínimo em 1961 e
expandiu os direitos trabalhistas.
Regime Militar (1964 – 1985)
Promoveu políticas de desenvolvimento econômico nacional com o Plano de Ação
Econômica do Governo (PAEG) promovendo incentivos à indústria nacional em
especial no setor de siderurgia, petroquímica e automobilística. Na infraestrutura
construiu ferrovias e rodovias, deu incentivos para indústria de construção naval. Já na
área política e social foi um período de repressão, tortura, censura, prisões, exilio,
além do desaparecimento e assassinatos dos opositores. O regime impôs controle da
educação visando uma ideologia conservadora, para isso reprimiu os movimentos
sociais, sindical, estudantil. Durante esse período agravou-se as desigualdades
sociais, promoveu um feroz arrocho salarial, que teve como consequências o aumento
da pobreza e da miséria, da maioria do povo e uma imensa concentração de renda.
Ao final desse período, a “redemocratização lenta gradual e segura”, como definiu o
General Golbery do Couto e Silva, forjou uma República tutelada pelos militares em
paradoxo com a Constituição Cidadã cujo conteúdo social sempre encontrou forte
resistência nas forças conservadoras para construção de uma nação soberana e
inclusiva.
Collor (1990 – 1992) e FHC (1995 – 2002)
O desmonte das políticas nacionalistas
Esse período foi uma assumida ruptura com as políticas de construção nacional e a
adoção do “Consenso de Washington”: cartilha neoliberal que previa abertura
comercial desenfreada com privatização das empresas estatais, desmonte dos
sindicatos, arrocho salarial, desvalorização dos serviços públicos e desmonte do
Estado nacional brasileiro.
FHC usou toda máquina de propaganda do governo para desqualificar as empresas
públicas, sucatear e entregar o nosso patrimônio ao capital privado, em especial
estrangeiro.
Esse processo de privatização das empresas públicas brasileiras constitui sem
sombra de dúvidas um crime de lesa pátria. Segundo Aloisio Biondi o governo
promoveu um processo de sucateamento das empresas públicas em torno de amplas
campanhas de depreciação dos seus valores, depois justificava a necessidade de
sanear e a seguir leiloava com enorme deságio, permitindo ganhos exorbitantes por
parte dos compradores privados. Esse foi o maior processo de corrupção a céu aberto
da história da República. Segundo Biondi o governo FHC gastou 86 bilhões para sanear
as empresas públicas que a seguir foram vendidas por 85 bilhões. Em conta simples, o
povo brasileiro pagou 1 bilhão para entregar um patrimônio extraordinário construído
com seu suor e sangue.
Tivemos uma verdadeira desconstrução e esvaziamento da nossa soberania e das
políticas sociais pela aplicação das receitas neoliberais.
Lula e Dilma (2002 – 2016)
Os esforços de reconstrução nacional com inclusão social
O Brasil estava combalido pelas políticas neoliberais, apesar disso muitas medidas
foram tomadas para alavancar a economia nacional, promover o desenvolvimento
econômico com transferência de renda para os mais pobres.
No plano social os governos petistas lograram grande sucesso através de políticas de
transferência renda com notável crescimento do salário-mínimo, políticas sociais
como Bolsa Família, Luz Para Todos, Farmácia Popular e uma lista enorme de políticas
públicas que permitiu em 14 anos de governo petista uma transferência de renda da
ordem de 17% para os mais pobres. Inaceitável do ponto de vista das nossas elites
oligárquicas.
Os governos de Lula e Dilma foram caracterizados pelo neodesenvolvimentismo,
procurando realizar políticas de desenvolvimento dentro dos limites do capitalismo
neoliberal. Realizaram políticas de proteção do mercado interno com a dotação de
recursos ao BNDES para incentivar a produção nacional. Nesse período o Brasil
registrou um crescimento econômico significativo e passou a ocupar o 9º lugar entre
as grandes economias mundiais. Recuperou a indústria naval, investiu pesadamente
em infraestrutura, rodovias, ferrovias, porto, aeroportos, veículos, eletrodoméstico,
móveis, construção civil, energia e apoiou a produção de alimentos através da
agricultura familiar. Os tempos são outros, as forças políticas e econômicas que
governam o Mundo e em particular o Brasil são outras, mesmo que ainda estejamos
reproduzindo o velho modelo agroexportador desde o período colonial até os dias de
hoje. O Brasil é um dos maiores exportadores do mundo de soja, café, cana de açúcar,
milho e carne bovina. Produtos minerais como: ferro, cobre, ouro e manganês.
Também mantem uma boa exportação de veículos, aeronaves, equipamento de
transporte, produtos químicos e farmacêuticos.
Os dois primeiros governos de Lula tivemos uma taxa média de crescimento da ordem
de 4% superando a média do governo FHC que foi de 2,3%. Reduziu a inflação de
12,53% para 3,14% em 2002 e depois para 5,9% no final do governo, gerou 14,5
milhões de empregos, o salário-mínimo teve aumento real de 53,6 %, o que
possibilitou o aumento do consumo das famílias
Michel Temer (2016-2018) e Bolsonaro (2018 – 2022)
A Lava Jato e o desmonte do Brasil – O IMPÉRIO CONTRA ATACA
Durante esses governos foi promovido um verdadeiro desmonte dos avanços na
construção de um projeto nacional que estava em curso no Brasil, destruindo a
indústria naval, a engenharia e fragilizando a Petrobrás, a maior empresa de energia do
país, dividindo a sociedade e impedindo um projeto nacional soberano.
A Lava Jato foi a maior operação de rapinagem tramada em conluio com as agências
do império estadunidense e as nossas oligarquias vassalas para impedir os avanços
das forças populares no Brasil.
O tema da corrupção foi usado como gatilho através da prática de guerra cognitiva
duramente empreendida por campanhas de desinformação. Mentiras foram repetidas
diuturnamente nas redes sociais e nos meios de comunicação de massas visando
emparedar o governo do PT, segregar os petistas e botar no comando Michel Temer
com uma plataforma chamada “Uma Ponte para o Futuro”, que na prática era um voo
para o passado de subserviência, dependência e miséria que marca a nossa história,
bem como uma cisão profunda na sociedade brasileira.
A mobilização do ódio contra as principais lideranças do PT, contra os programas
sociais, e a destruição das nossas indústrias como a da Petrobras que havia
desenvolvido pesquisa e prospecção do Pré-Sal e que os recursos oriundos seriam
destinados para educação, saúde, ciência e tecnologia, foram o resultado de uma
estratégia para destruir a política e inviabilizar o Brasil como uma nação soberana.
Um caso notório ocorreu na área da energia nuclear, cujo trabalho extraordinário
realizado pelo Almirante Otto, sabidamente um brasileiro de grande valor para
desenvolvimento do nosso projeto nuclear, foi preso sob acusações de corrupção pela
Lava Jato e ficou confinado durante 4 anos e 8 meses, depois inocentado por falta de
provas. O episódio foi um duro golpe na vida pessoal do Almirante que tentou o suicido
na prisão, e um golpe maior ainda no programa nuclear brasileiro.
O NEOLIBERALISMO ESTÁ CARCOMIDO
“A desregulação do mercado é uma forma de tirania, que ignora as necessidades humanas e o bemestar social” – Karl Polany – A Grande Transformação – 1944
O neoliberalismo proclamado pela sociedade de Mont Pélerin em 1947 por defensores
do livre mercado como Friedrich Hayek, Milton Friedman, Karl Popper e outros, afim de
implantar a economia de mercado auto regulado, defender a liberdade individual
como um direito fundamental e combater o socialismo, já demostrou não ser uma
respostas as diversas crises profundas pelas quais vivem o sistema capitalista,
expressa na explosão da bolha financeira em 2007/08 e que vem se agravando com
grande intensidade.
Hoje o mundo desenvolvido está retirando dos seus cardápios as políticas neoliberais
para recuperar as suas economias, porém no Brasil o capital financeiro especulativo
insiste em continuar sangrando a economia produtiva através de medidas absurdas
como Banco Central controlado pelo mercado, taxas de juros mais altas do planeta
consumindo 50% do Orçamento da União, políticas recessivas, arrocho salarial, e uma
brutal concentração de renda.
Não seremos um país democrático, forte, justo e soberano, sem um Projeto de Brasil
Democrático, Forte, Justo e Soberano. Adotar uma agenda nacional
desenvolvimentista de novo tipo, tendo com ponto central a unidade política do povo,
promovendo seu bem-estar, com suas características de diversidade, é necessário
para um novo padrão civilizatório.
UM NOVO NACIONALISMO
Um Novo Nacionalismo recusa o papel de vassalagem ao imperialismo e aos velhos
colonizadores. Um novo nacionalismo não se submete a tutela de uma elite oligarca e
servil dos interesses das potencias estrangeiras.
Um Novo Nacionalismo não se omite diante do fato de que a história das sociedades
humanas é a história da luta de classes, e que, portanto, um programa nacional
desenvolvimentista deve ter em pauta uma agenda atual da classe trabalhadora, que
além de explorada é excluída dos direitos fundamentais e dos bens que a sociedade
moderna produz através daquilo que é mais importante: o trabalho humano.
Quando o PT completa 45 anos e tem a responsabilidade de governar o Brasil com uma
ampla composição de forças e o desafio de derrotar a extrema direita neofascista,
devemos lembrar que essas forças são reacionárias no plano da política e dos valores
e neoliberais no plano econômico e social.
O momento atual em que o novo governo dos EUA impõe uma agenda protecionista de
alta intensidade e que as nações do mundo inteiro buscam afirmação, é importante o
Brasil recuperar um projeto de nação soberana que busque a integração
compartilhada e tolerante junto as nações do Sul Global, em especial as latinoamericanas, indispensável para construir um novo nacionalismo civilizatório no qual a
riqueza da nossa diversidade, da cultura, das nacionalidades, das regionalidades, dos
territórios, dos símbolos, devem ser fortalecidas como força motriz de uma nova
ordem multipolar democrática e inclusiva.
Neste momento difícil para nosso governo e para as forças progressistas do país é
fundamental defender firmemente aquilo que representa o programa aprovado nas
urnas em 2022.
Imprescindível também denunciar o falso patriotismo contido no Bolsonarismo que
além de bater continência para bandeira do Império estadunidense, confessa crime de
traição ao passar informações sigilosas do Estado brasileiro para seus aliados nos
EUA. Além disso o seu filho Eduardo Bolsonaro, que é deputado federal, tem uma
agenda quase que em tempo integral junto as forças da extrema direita americana afim
de promover sanções contra o Brasil e coagir o nosso judiciário a não punir seu pai e
centenas de golpistas que tentaram derrubar o Estado democrático de direito por
ações violentas, inclusive com planejamento do assassinato do Presidente Lula, seu
vice Alckimin e o Ministro Alexandre de Moraes. Por isso, um Novo Nacionalismo que
ostente a nossa soberania hoje é indispensável.
Mar/2025
Francisco Chagas
Vice-presidente do PT foi Vereador e Deputado Federal