Em uma declaração conjunta divulgada nesta segunda-feira (21), os ministros das Relações Exteriores de 25 países aliados do Ocidente exigiram o fim imediato da guerra em Gaza.
O documento, publicado pelo governo do Reino Unido, foi assinado por nações como França, Alemanha, Canadá, Japão e Austrália, além da União Europeia, e representa a mais dura manifestação diplomática contra Israel desde o início da ofensiva militar em outubro de 2023.
Os signatários afirmam que o sofrimento dos civis palestinos “atingiu novos patamares” e que a guerra “deve terminar agora”. “Mais derramamento de sangue não serve a nenhum propósito”, diz a declaração, que afirma apoiar “um cessar-fogo imediato, incondicional e permanente”.
A declaração foi assinada pelos ministros das Relações Exteriores de Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá, Dinamarca, Estônia, Finlândia, França, Islândia, Irlanda, Itália, Japão, Letônia, Lituânia, Luxemburgo, Países Baixos, Nova Zelândia, Noruega, Polônia, Portugal, Eslovênia, Espanha, Suécia, Suíça e Reino Unido, além da Comissária da União Europeia para Igualdade, Preparação e Gestão de Crises.
A declaração marca uma escalada inédita de pressão internacional, inclusive por parte de governos que tradicionalmente oferecem apoio incondicional a Tel Aviv.
Entre os países que subscrevem o documento estão quatro dos cinco integrantes da aliança de inteligência Five Eyes — Reino Unido, Canadá, Austrália e Nova Zelândia — considerados parceiros estratégicos dos Estados Unidos e de Israel.
A aliança é um grupo de cooperação em segurança e troca de informações sigilosas. O quinto membro são os Estados Unidos.
A mudança de postura reflete o crescente isolamento diplomático do governo de Benjamin Netanyahu, cuja política em Gaza agora passa a ser criticada abertamente por chanceleres aliados.
A adoção de linguagem contundente, como “assassinatos desumanos” e “negação deliberada de ajuda humanitária”, sugere que os países ocidentais já não consideram mais possível justificar as ações israelenses sob o argumento do combate ao Hamas.
O principal alvo da denúncia dos 25 países é o modelo de distribuição de ajuda humanitária imposto por Israel na Faixa de Gaza. Segundo a declaração, esse modelo é “perigoso, alimenta a instabilidade e priva os gazenses de sua dignidade humana”.
O documento destaca que mais de 800 civis palestinos foram mortos enquanto tentavam obter comida e água — muitos deles nas imediações de centros de distribuição da Gaza Humanitarian Foundation (GHF), entidade apoiada por Israel e pelos Estados Unidos.
A GHF passou a operar de forma paralela e, em grande medida, substitutiva ao sistema de ajuda coordenado pela ONU.
Os países signatários, no entanto, alertam que a imposição desse modelo viola os princípios do direito humanitário internacional e compromete a neutralidade da ajuda. “A recusa do governo israelense em fornecer assistência humanitária essencial à população civil é inaceitável”, afirma o texto.
Desde o fim de maio, quando Israel anunciou o relaxamento parcial do bloqueio, a ONU e o ministério da Saúde de Gaza registraram ao menos 875 mortes de palestinos em filas e locais de distribuição de alimentos — números que escancaram a gravidade da crise.
Além da crítica à gestão da ajuda, a declaração condena “o fornecimento gradual e insuficiente de auxílio” e “os assassinatos desumanos de civis, incluindo crianças, que apenas buscavam suprir necessidades básicas”.
Os países exigem que Israel suspenda imediatamente todas as restrições à entrada de ajuda e permita que agências da ONU e organizações humanitárias operem de forma segura e eficaz no território palestino.
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Ofensiva avança sobre Deir al-Balah enquanto fome e mortes se intensificam
No mesmo dia em que a declaração conjunta foi divulgada, tanques israelenses avançaram sobre bairros do sul e do leste da cidade de Deir al-Balah, no centro da Faixa de Gaza.
A cidade no centro da Faixa de Gaza ainda não havia sofrido ataques em grande escala e, por isso, funciona como um centro de esforços humanitários no devastado território palestino.
O Exército israelense diz acreditar que os reféns capturados pelo Hamas, em outubro de 2023, estejam ali.
A nova incursão eleva ainda mais o número de vítimas da guerra, que já ultrapassa 59 mil palestinos mortos, segundo o ministério da Saúde de Gaza. A maioria das vítimas são mulheres e crianças.
O cerco israelense levou a uma situação de colapso total dos serviços de saúde, com cenas de crianças famintas, sem acesso a água potável e abrigos em ruínas.
A ofensiva iniciada em 7 de outubro de 2023 já transformou a Faixa de Gaza em um cenário de devastação quase total. Segundo relatos de organizações humanitárias, bairros inteiros foram reduzidos a escombros, enquanto a escassez de alimentos e medicamentos atinge níveis considerados críticos pela Organização das Nações Unidas.
A mortalidade em contextos de distribuição de ajuda ilustra a incapacidade do atual modelo de garantir segurança à população civil.
A crise humanitária provocada pelo cerco e pelos bombardeios tem sido agravada por medidas como a proposta israelense de deslocar palestinos para uma chamada “cidade humanitária”, condenada como ilegal pelos países signatários.
“Propostas para remover a população palestina para uma ‘cidade humanitária’ são completamente inaceitáveis”, diz o documento. “O deslocamento forçado permanente constitui uma violação do direito humanitário internacional.”
A declaração reafirma que o deslocamento forçado permanente constitui uma violação flagrante do direito internacional humanitário e reitera a oposição dos países a qualquer mudança demográfica ou territorial imposta à população palestina.
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Apelo por solução política e alerta sobre novas medidas internacionais
Os países signatários afirmam estar “preparados para adotar novas medidas” em apoio a um cessar-fogo imediato e a um caminho político duradouro para a paz entre israelenses e palestinos. O documento reitera o apoio aos esforços de mediação conduzidos por Catar, Egito e Estados Unidos, e sustenta que a única saída viável é uma solução política baseada no respeito ao direito internacional e no fim das hostilidades.
No Parlamento britânico, o chanceler David Lammy ecoou o conteúdo da declaração conjunta e disse que “não há solução militar possível” para a crise. Segundo ele, o próximo cessar-fogo “deve ser o último”, num claro sinal de que o Reino Unido passou a condicionar seu apoio a Israel a um compromisso real com o fim da guerra e com o respeito à vida civil.
Além da manifestação política, o governo britânico anunciou um novo pacote de 60 milhões de libras (cerca de US$ 81 milhões) em ajuda humanitária para Gaza. A medida reforça o entendimento de que a pressão diplomática ocidental começa a se converter também em ações concretas, com potencial para reposicionar o debate internacional sobre a guerra e exigir responsabilidades do governo israelense.
“Estamos preparados para adotar novas medidas para apoiar um cessar-fogo imediato e um caminho político para a segurança e a paz para israelenses, palestinos e toda a região”, conclui a declaração.