Nessa quarta-feira (10), o presidente da França, Emmanuel Macron, publicou uma carta sobre o resultado da eleição legislativa. O partido Reagrupamento Nacional (RN), de Marine Le Pen, foi o grande vencedor, conquistando 143 assentos no Parlamento. No entanto, não formou a maior bancada devido à Nova Frente Popular (182 assentos) e à coligação de Macron, o Juntos (168 assentos).
Na carta, Macron afirma que “ninguém venceu” as eleições do último domingo. “Nenhuma força política obteve sozinha uma maioria suficiente e os blocos ou coalizões que surgiram dessas eleições são todos minoritários”, disse. Ele ressalta que a população se recusou a permitir que a extrema direita “chegasse ao governo”, ressaltando que “somente as forças republicanas representam uma maioria absoluta”.
Além disso, Macron afirma se dirigir “a todas as forças políticas que se reconhecem nas instituições republicanas, no Estado de Direito, no parlamentarismo, em uma orientação europeia e na defesa da independência francesa”.
Analistas da imprensa burguesa francesa argumentam que “esses critérios excluem o Reagrupamento Nacional e a França Insubmissa”, como afirma um artigo publicado pelo Le Figaro. Em outro artigo, o mesmo jornal diz: “ao declarar, em essência, que não permitirá que uma coalizão incluindo partidos considerados fora das ‘forças republicanas’ governe a França, Emmanuel Macron bloqueia de fato qualquer tentativa da Nova Frente Popular, à qual pertence a França Insubmissa, de constituir um governo”.
Outro trecho da carta indica que essa é, de fato, a política de Macron diante do resultado da eleição legislativa:
“O que os franceses escolheram nas urnas – a frente republicana –, as forças políticas devem concretizar com seus atos. É à luz desses princípios que decidirei a nomeação do primeiro-ministro. Isso implica dar um pouco de tempo às forças políticas para construir esses compromissos. Até lá, o governo atual continuará a exercer suas responsabilidades e depois ficará encarregado dos assuntos correntes, como manda a tradição republicana”, diz o mandatário francês, não especificando quando tomará a decisão de quem irá nomear primeiro-ministro.
As declarações de Macron deixam cada vez mais evidente que ele não indicará nenhum representante da esquerda como primeiro-ministro. Rui Costa Pimenta, presidente nacional do Partido da Causa Operária (PCO), comentou sobre a situação francesa:
“A grande vitória da esquerda na França, segundo alguns, já se mostrou um golpe contra a esquerda a favor da direita, um resgate dos partidos do imperialismo, semi-mortos e poderá terminar recolocando o macronismo no poder. A alternativa é o direitista partido socialista. A esquerda (Mélenchon) com a sua política de frente popular promoveu, ainda que involuntariamente, um verdadeiro estelionato político. Se você ainda está no jardim de infância político, não brinque com os adultos”, disse o dirigente trotskista.
Jean-Luc Mélenchon, líder do França Insubmissa, apontou “o retorno do direito de veto real sobre o sufrágio universal”, exigindo que o presidente francês “se curve”. Marine Tondelier, do Partido Ecologista “Os Verdes”, afirmou que “a lógica institucional dita que ele [Macron] deve chamar os líderes dos partidos da Nova Frente popular para que possamos propor o nome de um primeiro-ministro e um governo”.
Arthur Delaporte, deputado do Partido Socialista, criticou o que chamou de “o mais completo negacionismo” por parte de Macron.
Em meio a essa crise política, a imprensa francesa dá conta de que os partidos da Nova Frente Popular estão reunidos desde domingo (7) para tentar decidir quem indicarão para que Emmanuel Macron nomeie primeiro-ministro, o único, segundo a Constituição, com poderes para tal. Entretanto, não conseguiram fazê-lo a tempo da publicação da carta de Macron, que muda a situação.
Bruno Retailleau, líder do partido Os Republicanos, fundado pelo ex-presidente francês Nicolas Sarkozy, publicou uma carta aberta a Macron, na qual afirma que ele é responsável pelo “desastre institucional” no qual ele “mergulhou a França”. “Só o senhor carrega a responsabilidade por este caos, e só o senhor detém as chaves para sair dele”, disse.
Retailleu deixou claro que, independentemente de qualquer coisa, Macron precisa rejeitar de maneira categórica um premiê esquerdista.
“O senhor não pode nomear um primeiro-ministro vindo da esquerda. Deixar a Nova Frente Popular governar em conjunto seria uma falta imperdoável, que o condenaria perante a história. O senhor não tem o direito de permitir a ascensão ao poder de membros da França Insubmissa, um movimento que reivindica a violência e a sedição, e que agita os piores resquícios do antissemitismo em prol de uma ideologia islâmico-esquerdista com objetivos eleitorais. Situados fora do campo republicano, os adeptos de Jean-Luc Mélenchon devem ser excluídos do campo governamental, mas isso automaticamente faz do restante da esquerda um campo minoritário na Assembleia Nacional. Portanto, um governo composto apenas por socialistas ou ecologistas não teria legitimidade alguma e seria imediatamente derrubado, especialmente pela direita”, afirmou o senador do Republicanos, que se aliou ao Reagrupamento Nacional nas eleições.
Além disso, Retailleu reconhece que os partidos do regime estão completamente falidos:
“Mas o senhor não pode tentar formar um bloco central improvável a partir das ruínas do que acabou de desmoronar. Primeiro porque a soma dos grupos de direita, do centro e do campo presidencial não forma uma maioria absoluta. Longe disso. E nem mesmo com o acréscimo dos amigos de François Hollande, pois os parlamentares dos Republicanos não poderiam considerar governar com os herdeiros de François Mitterrand. Restaria, então, a constituição de uma maioria relativa tão frágil que cairia no primeiro orçamento, sob os ataques combinados da [Nova] Frente Popular e do Reagrupamento Nacional.”
No final, diante do fato de que “um primeiro-ministro vindo das últimas eleições não é possível”, ele propõe uma solução a Macron: “o senhor deve nomear um primeiro-ministro de interesse público”.
“O senhor deve chamar para Matignon uma personalidade acima dos clãs e das correntes, uma personalidade apaziguadora e incontestável por sua competência, experiência, senso de Estado e interesse geral. Só uma personalidade assim será capaz de reunir uma maioria parlamentar, em torno dos poucos textos essenciais para evitar o bloqueio do país e uma crise financeira que afetaria primeiramente os franceses mais vulneráveis. Quando a calma voltar e as condições para um verdadeiro debate democrático estiverem novamente reunidas, então poderá voltar o tempo da política. Mas não antes”, afirmou.