Em A mensagem das eleições na França à esquerda (Brasil 247, 10/7/2024), o jornalista Igor Felippe Santos apresenta confusões características de um setor da esquerda pequeno-burguesa que demonstra ter percebido uma parte do problema, mas não o todo. Segundo o jornalista, “a vitória da Nova Frente Popular [NFP] no segundo turno das eleições legislativas na França […] surpreendeu, sobretudo, aqueles que consideram as forças populares incapazes de enfrentar a extrema direita”, ao que acrescenta que a NFP ter a liderança do partido França Insubmissa (FI) “deve nos dizer algo”.
Aqui, Santos já apresenta uma caracterização do resultado eleitoral francês que desconsidera a crise em marcha. Jean-Luc Mélenchon, o líder do FI, já reivindicou o cargo de primeiro-ministro para a esquerda, porém, teve como resposta um público “cale a boca” do “aliado” François Hollande, do Partido Socialista (PS, agremiação que compõe a NFP com o FI) e uma recusa igualmente pública do atual presidente, Emmanuel Macron (da coalizão Juntos), em aceitar a demissão do atual primeiro-ministro e seu correligionário, Gabriel Attal.
“Mesmo diante do perigo do avanço da extrema direita”, continua Santos, “a esquerda francesa teve a firmeza de manter seu projeto com autonomia, construir uma ampla articulação das forças populares, atuar em unidade de ação com as forças de centro-direita sem perder sua identidade e fazer a disputa dos eleitores insatisfeitos com a condução política e econômica do governo Emmanuel Macron”. O jornalista descreve, nesse ponto, uma contradição em sua análise: a esquerda articulou forças populares e teve a firmeza de atuar “com as forças de centro-direita”, mas as forças de “centro direita”, sendo responsáveis pela “condução política e econômica do governo Emmanuel Macron” aliar-se-iam à esquerda para ter sua política derrotada?
Ou para fazer o que efetivamente aconteceu e está acontecendo: barrar a extrema direita durante o pleito eleitoral e uma vez que as eleições passassem, voltar sua atenção à esquerda? Concretamente, as “forças de centro direita” têm um caráter social definido, é a burguesia imperialista, o setor da classe dominante mais interessado na manutenção da política neoliberal. Esta profundidade social que falta à análise de Santos é característico da esquerda pequeno-burguesa, sendo também o fator que dificulta para muitos no campo compreender o que está em jogo – na França, no Brasil e no mundo.
Mais, dado o fenômeno reconhecido pelo autor, de “desmoralização” deste campo, o que realmente implicaria em uma vitória da classe social representada pela esquerda seria a independência do campo. Isso não se verificou na França, como observou o autor, ao lembrar a “unidade de ação” com este que é o setor mais poderoso e destrutivo da burguesia. E o resultado não poderia ser outro, mas a crise em marcha, que até o momento, encaminha-se para um desfecho favorável aos centristas, ao Juntos e, consequentemente, ao imperialismo e o neoliberalismo.
Em outro momento, o autor reconhece a expressão mais superficial do problema:
“A direita tradicional, principal expressão política das instituições liberais, empunhou a bandeira do neoliberalismo e prometeu que a ‘modernização’ da economia com a globalização capitalista geraria bem-estar para a população de seus países. Depois de quatro décadas, carrega nas costas a culpa pelo fracasso neoliberal. Até mesmo partidos da social-democracia que abdicaram do seu programa saíram desgastados, perderam relevância ou tiveram que se renovar.
A extrema-direita tem avançado, justamente, no espaço aberto pela desmoralização da direita e do sistema político-institucional que sustenta as democracias liberais.”
Novamente, o diagnóstico está correto, mas é nas conclusões que Santos se equivoca:
“A constituição de frentes amplas com forças de esquerda e direita [grifo nosso] deve ter objetivos claros e tempo definido para impor derrotas à extrema-direita sem confundir a sociedade. Mais do que palavras, as forças populares devem levar a cabo o que prometem quando chegam ao governo e implementar o programa apresentado nas eleições, enfrentando os interesses da classe dominante, para mobilizar a sociedade e avançar com um projeto de superação do neoliberalismo. ”
Direita e extrema direita, finalmente, são distinções da direita, como o nome indica. Ou, dando substância social à terminologia herdada da Revolução Francesa, são setores da mesma classe sob a qual se estrutura a sociedade. Ambos, são representantes da burguesia, com os primeiros (como dito acima) representando o setor minoritário, mas mais poderoso, o imperialismo, ao passo que a extrema direita representa a contradição no interior da classe, oriunda do segmento mais numeroso, porém menor, da burguesia, cuja atuação se limita ao espaço dos mercados nacionais.
Não perceber esse fenômeno implica em não reconhecer o problema na sua essência, que é a submissão da esquerda à burguesia, especialmente ao seu segmento mais poderoso, o imperialismo. Por não compreender isso, Santos erra nas conclusões sobre alianças com a direita, como Mélenchon errou na França ao se aliar a partidos de direita como o PS (tão ou mais “socialista” quanto o brasileiro PSDB).
A conclusão mais importante a ser tirada da França é que a capacidade do imperialismo de manipular a esquerda, de pressionar o campo por alianças que só interessam aos próprios imperialistas, é uma necessidade para a classe dominante. A independência plena da esquerda em relação ao “centro” tende a fortalecer as organizações que apostarem no enfrentamento.