Foi convocada uma mobilização nacional de todos os franceses, marcada para 10 de setembro. Dessa vez, a convocação não vem de sindicatos ou partidos, mas da própria sociedade, através das redes sociais. O lema do movimento é: “bloquear tudo”, para impedir a continuidade do governo Macron, que mais uma vez busca atacar a classe trabalhadora.
Como já abordamos em artigos anteriores, a França é um dos países imperialistas mais afetados pela crise internacional, o que determina o fracasso de toda tentativa de seguir as regras macroeconômicas da zona do euro, que são draconianas desde sempre. O presidente Macron, autoritariamente, indicou François Bayrou como primeiro-ministro, ignorando que o cargo deveria estar sendo ocupado pelo partido vitorioso nas eleições – a França Insubmissa, ou pelo menos um partido integrante da Frente Popular.
Sua missão é “impedir a explosão da dívida” e ele está tentando fazer isto da forma burguesa, isto é, propondo um pacote fiscal com cortes drásticos nos orçamentos e, naturalmente, nos direitos dos trabalhadores e aposentados. Isso fez dele o primeiro-ministro mais impopular da Quinta República. Em 8 de setembro, ele deve apresentar seu plano de austeridade orçamentária à Assembleia e vinculou sua continuidade no cargo a uma moção de confiança parlamentar.
O plano corta 44 bilhões de euros do orçamento e todos os partidos da oposição anunciaram que não o apoiarão. Assim, a renúncia é certa a menos que ocorra um milagre.
Na França, a crise econômica levou a uma crise política que não é apenas institucional, mas ocorrerá paralelamente a greves e manifestações de rua. Antigamente, era chamado de “outono quente”. A primeira manifestação está marcada para dois dias após a apresentação do plano por Bayrou. É um apelo espontâneo que se espalhou pelas redes sociais, no estilo dos “coletes amarelos” que começou no final de 2018.
A CGT convocou uma jornada de mobilização para 18 de setembro. Esta jornada de mobilização, que inclui a greve, faz parte de um calendário político cada vez mais intenso, pois uma outra explosão deve acontecer.
O dia de luta em 10 de setembro lançou a palavra de ordem “Bloquear tudo” e parece lembrar o movimento de maio de 1968, que quase chegou a uma insurreição popular. O sentimento geral é de raiva e muita indignação, pois o plano anunciado é de uma atrocidade sem limites.
O capitalismo francês enfrenta problemas estruturais e usa das benesses do Estado para incentivar a acumulação de capital pelas empresas que, por sua vez, não pagam impostos correspondentes, o que resultou em um grande crescimento da dívida interna. A dívida pública francesa atingiu € 3,345 trilhões no primeiro trimestre de 2025, o equivalente a cerca de 114% do Produto Interno Bruto (PIB) do país, enquanto o déficit fiscal alcançou 5,4% no mesmo período. As draconianas regras do chamado “pacto de estabilidade da zona do euro” impõem um máximo de 3% de déficit e 60% de dívida em relação ao PIB anual, e por muito tempo deixaram de ser cumpridas. Para honrar os juros devidos aos investidores que compraram títulos públicos franceses, o governo deverá gastar cerca de € 66 bilhões neste ano, um montante superior aos orçamentos combinados do Exército e da Educação. Atualmente, os juros da dívida já representam uma despesa de aproximadamente 7% do orçamento do Estado.
O pacote fiscal: a casa de horrores
O Plano Bayrou propõe uma medida inédita que, no Brasil, foi adotada no primeiro governo da Ditadura: a abolição de dois feriados (8 de maio e segunda-feira de Páscoa) para poupar cerca de 4,5 bilhões de euros.
Além disso, propõe acabar com a quinta semana de férias remuneradas, o congelamento das pensões dos aposentados e dos benefícios sociais. Na área da saúde, propõe a duplicação da co-remuneração médica e 5 bilhões de euros de cortes na saúde, incluindo € 700 bilhões para doenças prolongadas (sugestão: a quantia de € 700 bilhões parece muito alta para um corte em uma área específica. Confirme se o número está correto, pois pode ser um erro de digitação e deveria ser € 700 milhões).
Para a “reforma” do seguro-desemprego, propõe:
- restrições aos direitos dos candidatos a emprego;
- redução do prazo concedido para impugnar um despedimento sem justa causa: de 24 meses antes de 2017 para 12 meses depois e agora para apenas 4 meses;
- supressão da jornada de trabalho de 35 horas: o tempo de trabalho suplementar é não remunerado, apresentado como “uma ajuda ao crescimento”;
- prorrogação do período de baixa por doença: compensação a partir do sétimo dia em vez do quarto;
- não será aberta vaga nova para uma aposentadoria em cada três.
Medidas da área fazendária:
- € 211 bilhões de dinheiro público cedidos ao setor privado sem qualquer controle ou contrapartida;
- aumento do imposto sobre a Renda.
Oposição rejeita cortes
Os economistas que assessoram os partidos de esquerda rejeitam cortes nas despesas públicas por acreditarem que, gastando mais, o Estado irá gerar mais consumo e haverá aumento das receitas fiscais. Faz anos que há esse déficit fiscal e ele nunca diminuiu. O déficit segue aí. O consumo só aumenta na França quando existe uma situação mais estável, mais equilíbrio – e não é o caso há muito tempo.
O partido Reunião Nacional (RN), de extrema direita, também tem um programa que prevê mais gastos, sobretudo com respeito à aposentadoria. Eles querem reduzir a idade [mínima da aposentadoria] para 60 anos, enquanto a proposta da reforma do governo é 64 anos. Uma ala do partido propõe cortes fiscais. É uma facção liberal cujo maior expoente é Jordan Badella, que é o número 2 do partido RN. A número 1 do movimento, Marine Le Pen, faz parte de uma facção que pede mais gastos. Só que essas duas facções não estão realmente brigadas dentro do partido. O que permite pensar que, na verdade, a retórica do programa do partido é mais um jogo de arena política e não tanto algo que revela uma convicção real.
Dívida bem estruturada
A França não parece estar na iminência de recorrer ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e ao Banco Central Europeu (BCE), como aconteceu com Grécia, Portugal e Espanha durante a crise da zona do euro em 2009. A curto e a médio prazo, isso não irá acontecer, pois a dívida pública francesa tem prazos de pagamento bem intercalados, com 5 a 10 anos de diferença, o que ainda a torna administrável.
Para os patrões, tudo
Em uma entrevista ao l’Humanité, jornal oficial do Partido Comunista Francês, a secretária-geral da CGT esclareceu as reivindicações dos trabalhadores franceses:
“Queremos um governo que revogue a reforma da previdência. Além disso, todas as organizações sindicais, no comunicado que publicamos esta manhã, reiteram nossa oposição ao limite de idade de 64 anos e nossa exigência de que ele seja abandonado.”
“No entanto, ainda há um número que vem desafiando os trabalhadores nos últimos dois meses: os € 211 bilhões em auxílios pagos às empresas, de acordo com um relatório do Senado. O governo e os empregadores não estão tocando nesse assunto. Este relatório do Senado é muito importante. A CGT vem alertando sobre auxílios públicos às empresas há anos e anos. Fomos os primeiros a avaliar esse auxílio público e quantificá-lo em um relatório de pesquisa que encomendamos há alguns anos. E é muito importante que o Senado tenha abordado a questão e que finalmente tenha dado um valor inicial de 211 bilhões de euros. Isso significa 10% do PIB. O valor dado aos patrões representa 10 vezes o orçamento para o ensino superior e pesquisas científicas de todas as nossas universidades, de todas as organizações de pesquisa combinadas”, comenta a Secretária-Geral da CGT.
“O que poderíamos fazer se pudéssemos ter acesso a esse número mágico? Bem, poderíamos primeiro transformar nossa economia para enfrentar os desafios ambientais. Sabemos que as transformações são colossais. Poderíamos ajudar as empresas que precisam, as pequenas empresas, aquelas que estão expostas à concorrência, mas também as empresas que participam do jogo e, portanto, o condicionam, sob o controle dos trabalhadores. É por isso que temos uma proposta muito simples: a exigência de as empresas receberem um parecer favorável do CSE”, propõe a Secretária-Geral da CGT.
O Comitê Econômico e Social (CSE) é formado por representantes eleitos dos funcionários na empresa. Reúne todos os órgãos representativos dos trabalhadores (P.I.R.), os representantes do pessoal (D.P.), o conselho de empresa (CE) e o comitê de saúde, segurança e condições de trabalho (C.H.S.C.T.). Suas habilidades, composição e funcionamento variam de acordo com o tamanho da empresa. O C.S.E. deve ser implementado em todas as empresas envolvidas desde 1º de janeiro de 2020. A constituição de um C.S.E. só é obrigatória em empresas com pelo menos 11 trabalhadores.
“Isso significa que”, prossegue a direção da CGT, “se os representantes dos trabalhadores não concordarem que a empresa receba auxílio público, bem, ela não receberá nenhum auxílio público. Se esse sistema existisse, bem, nos teria permitido, por anos, não dar aprovação à SANOFI e bloquear o auxílio público do qual a empresa se beneficia. Ela recebeu 1 bilhão de euros em créditos fiscais para pesquisa em 10 anos, enquanto, no mesmo período, reduziu pela metade o número de pesquisadores. Isso nos teria permitido bloquear as centenas de milhões de euros que a Michelin recebeu em ajuda pública para comprar novas máquinas em Cholet, e em resposta a empresa fechou a fábrica e demitiu milhares de trabalhadores“, denuncia a Secretária-Geral da CGT.
“O escandaloso é que o governo não só é incapaz de avaliar sua ajuda, como precisou deste relatório senatorial para apresentar um valor inicial e uma avaliação inicial, mas, obviamente, o governo não oferece nenhuma compensação e nunca exige reembolso. O caso Michelin ainda é mais esclarecedor. Compram máquinas com o dinheiro dos nossos impostos para uma empresa que tem uma fábrica que fechou imediatamente e o governo nem solicita reembolso à sua direção. Embora o CEO da empresa, quando questionado pelo Senado, tenha dito que sim, é verdade que lhe pareceria normal reembolsar, mas o governo não exigiu isso”, explica Secretária-Geral da CGT.
“Mas eu não sabia que tínhamos tanto dinheiro. De fato, o governo nos diz de manhã, de tarde e de noite que estamos à beira de uma catástrofe orçamentária e que vamos ser colocados sob a supervisão do FMI, e, por outro lado, deixa escapar € 211 bilhões em ajuda pública para as empresas na nossa cara. É preciso parar de zombar de todo mundo. Assim, François Bairou declarou esta semana que os franceses devem influenciar os seus representantes entre agora e 8 de setembro para ver se eles ficam do lado do caos ou da responsabilidade.”
“A CGT está do lado do caos? O caos está sendo organizado por François Bairou e Emmanuel Macron, uma vez que a questão colocada a Bayrou não é sobre o seu futuro pessoal. Na verdade, ninguém se importa. A questão colocada ao Primeiro-Ministro é sobre o orçamento governamental, que é de uma violência indizível e sem precedentes para os trabalhadores. E, de fato, o que ele está fazendo é, para não alterar o seu orçamento, concordar em servir de fusível para Emmanuel Macron, que está disposto a sacrificar o seu Primeiro-Ministro apenas para evitar mudar a sua política. É uma manobra diversionista grosseira. Mais uma vez, Emmanuel Macron está disposto a organizar o caos institucional para não mudar a sua política. Já chega desta força bruta. É insuportável “, finaliza a secretária-geral da CGT.
O presidente Emmanuel Macron está diante de três possibilidades, caso o governo do premiê François Bayrou seja destituído pelos deputados no dia 8 de setembro: renunciar ao cargo – o que ele não deve fazer; dissolver novamente a Assembleia Nacional, para convocar os franceses às urnas; ou tentar formar um novo governo, no qual ele terá menos influência do que tem hoje. Tudo depende de como será a reação dos trabalhadores franceses diante desta crise, e a opção de eleições antecipadas está sempre no horizonte mais provável. A situação na França hoje é que o governo Macron se tornou insustentável e, por isso, o lema que todos devem adotar daqui para frente é: Fora Macron!