Os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Donald Trump voltaram a se falar nesta terça-feira (2). Após a conversa por telefone, tida como positiva por ambos, o chamuscado deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que tanto se empenhou para tensionar as relações entre Brasil e EUA em favor de seu pai e contra o próprio país, deu um “cavalo de pau” na forma como vinha tratando a questão.
Após a conversa — com a sagacidade e desenvoltura típicas de sua trajetória sindical e política —, Lula se declarou “surpreso” com o comportamento do estadunidense. “Muitas vezes, você vê o Trump na televisão, muito nervoso. Na conversa pessoal, ele é outra pessoa. Eu fiz questão de dizer para ele, temos dois Trump: o da televisão e o da conversa pessoal”, afirmou o presidente nesta quarta-feira (3) à TV Verdes Mares, de Fortaleza.
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O diálogo, segundo noticiado, girou em torno de questões comerciais e às sanções dos EUA contra o judiciário brasileiro. Lula vem buscando reverter a tarifa sobre produtos ainda sobretaxados e teria tratado, ainda, sobre o combate ao crime organizado.
Apesar do temperamento inconstante e pouco confiável de Trump, o fato é que neste momento o presidente dos EUA manifestou satisfação. O mandatário declarou que ele e Lula tiveram “uma ótima conversa” (que durou cerca de 40 minutos) e que estaria “ansioso” para ver e conversar novamente com o brasileiro em breve, acrescentando que “muito coisa boa resultará desta parceria recém-formada”.
Recuo
Diante desse cenário, do desprestígio do clã Bolsonaro e da falta de atenção de Trump para com a situação do ex-presidente golpista, Eduardo se viu na necessidade de recalibrar sua posição e diminuir o nível de toxicidade de seu discurso — o que não deixa de ser uma forma de reconhecer o êxito da posição brasileira.
Pelas redes sociais, ele disse ter recebido “com otimismo a notícia da conversa” e que “um diálogo franco entre os dois países pode abrir caminhos importantes, desde que guiado por princípios claros” — seja lá o que signifique para ele tais “princípios claros”.
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Ao longo de meses, Eduardo tentou livrar seu pai do processo por tentativa de golpe — pelo qual acabou sendo condenado e está preso — estimulando ações de Trump contra o Brasil como forma de chantagear o Supremo Tribunal Federal (STF). Por essa atuação, o deputado, que ainda vive nos EUA, se tornou réu por coação no curso do processo.
Trump — movido possivelmente não apenas pela proximidade ideológica com os Bolsonaro, mas também por interesses comerciais e geopolíticos — acabou aplicando uma tarifa adicional de 40% sobre produtos brasileiros que já pagavam 10%, além de sanções contra ministros do STF e familiares, entre os quais Alexandre de Moraes, relator da ação sobre a trama golpista.
Política altiva
O governo brasileiro optou pela busca altiva de um entendimento, deixando claro que a soberania e a democracia do país são inegociáveis e que não aceitaria interferências externas em assuntos internos. Ao mesmo tempo, apostou em políticas voltadas a ajudar os setores econômicos atingidos pelo tarifaço, bem como na ampliação de mercados externos.
Pouco a pouco, o cenário começou a mudar. Em setembro, pela primeira vez Lula e Trump estiveram frente a frente na Assembleia Geral da ONU, em Nova York. Apesar do contato-relâmpago, Trump disse ter tido uma “excelente química” com Lula, o que abriu caminho para uma nova fase de entendimento.
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No começo de outubro, eles se falaram por telefone e no dia 26 do mesmo mês, se encontraram pela primeira vez na Malásia. Os dois países decidiram manter as negociações com equipes de alto nível dos respectivos governos e, no dia 20 de novembro, os EUA suspenderam a tarifa de 40% sobre mais de 200 produtos que, somados às demais exceções, resultaram em 900 sem a sobretaxa.
De acordo com o governo, 22% das exportações brasileiras para os Estados Unidos ainda permanecem sujeitas à tarifa de 50%. Quando teve início a imposição do novo percentual, eram 36%.
Desde o começo desse processo de negociação, os bolsonaristas reagiram com um misto de raiva, desdém e adesão a teorias mirabolantes sobre uma possível estratégia genial que Trump estaria armando contra o governo brasileiro, apostando em ações e discursos entreguistas e antipatrióticos, em oposição ao seu próprio lema, segundo o qual o Brasil só estaria abaixo de Deus. Na verdade, para eles, a nação também estava abaixo da família — no caso, a de Bolsonaro.
A fala de Eduardo, neste momento, sinaliza uma tática de “sobrevivência política” em meio às dificuldades e desventuras em série vividas pelos Bolsonaro, resultantes de suas próprias ações. E seu desprestígio, pelo jeito, já ultrapassou os limites nacionais.