O Brasil ainda não faz parte da Opep+, como uma parcela da mídia apressou-se a afirmar, mas aderiu à Carta de Cooperação da Organização dos Países Produtores de Petróleo fundada em 1960 e atualmente formada por 13 nações. O anúncio foi feito pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, na terça-feira 18. Como ainda não é um integrante efetivo, o Estado brasileiro não tem compromisso de promover cortes na produção ou regular os preços, conforme as deliberações do grupo. Participará, porém, de um fórum para discutir estratégias de comercialização da commodity.
“Não devemos nos envergonhar de sermos produtores de petróleo”, afirmou Silveira. “O Brasil precisa crescer, se desenvolver, gerar renda, emprego, tributos para poder aplicar em educação, segurança e saúde. E o petróleo ainda é uma fonte energética global.” Do ponto de vista econômico, não há como refutar as ponderações do ministro. O País é o oitavo maior produtor mundial de petróleo e o primeiro da América Latina. Atualmente, os combustíveis fósseis – petróleo, carvão e gás natural – representam cerca de 80% da matriz energética mundial, e levará décadas para a sua substituição.
Ainda assim, a aproximação do Brasil com o maior cartel de petróleo do mundo deixou os ambientalistas ainda mais desconfiados quanto ao real compromisso do governo Lula com a transição energética. Faltando apenas oito meses para a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP–30, em Belém, o presidente manifestou diversas vezes, nas últimas semanas, a intenção de acelerar o processo de licenciamento ambiental para perfurar poços na chamada Margem Equatorial, região marítima entre o Amapá e o Rio Grande do Norte, com um volume estimado em 30 bilhões de barris pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis. A Petrobras prevê a perfuração de 15 poços e investimento de 3 bilhões de dólares nos próximos cinco anos.
“O petróleo ainda é uma fonte energética global”, afirma o ministro Silveira
Para efetivar o plano, a petroleira precisa cumprir exigências ambientais estabelecidas pelo Ibama. Há quase dois anos o instituto negou uma licença para realizar pesquisas de prospecção na Bacia da Foz do Amazonas. Trata-se do bloco FZA-M-59, localizado a 160 quilômetros da costa do Amapá e a 500 quilômetros da foz do Rio Amazonas. Desde então, o tema alimenta uma disputa no governo. A área ambiental manifesta preocupação com os acidentes e impactos ambientais. Na outra ponta, a Petrobras, o Ministério de Minas e Energia e o próprio presidente da República enxergam na Margem Equatorial um novo pré-sal, capaz de gerar altos dividendos para financiar a transição energética.
Em recente entrevista a uma rádio de Macapá, Lula demonstrou impaciência com a demora do órgão ambiental para liberar os estudos. “Se depois a gente vai explorar, é outra discussão. O que não dá é para a gente ficar nessa lengalenga, com o Ibama sendo um órgão do governo e parecendo ser contra o governo.” Na sexta-feira 14, voltou a pressionar pela liberação dos estudos de prospecção, afirmando que a ministra Marina Silva é “inteligente” e “jamais seria contra”. Dias depois, na segunda-feira 17, coube à presidente da Petrobras, Magda Chambriard, reforçar o apelo. Ela enfatizou ser necessária uma “reposição de reservas”, uma vez que a produção do pré-sal deve entrar em declínio no início da próxima década. “Se nós obtivermos a licença, presidente Lula, faremos tudo de forma extremamente segura”, disse na ocasião. “Sendo possível a licença, teremos no Amapá o melhor aparato de resposta à emergência já visto no mundo.”
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Riqueza. “Não devemos nos envergonhar de produzir petróleo”, diz Silveira – Imagem: Tauan Alencar/Ministério das Minas e Energia
Especialistas confirmam a necessidade de reposição das reservas. “O Brasil tende a reduzir a curva de produção a partir de 2032. Se não abrir a exploração de outras bacias, vai precisar importar petróleo na próxima década”, alerta Ticiana de Oliveira Álvares, diretora técnica do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis. “Temos cerca de 70 poços em operação, mas é preciso abrir novas fronteiras exploratórias para garantirmos nossa soberania energética”, avalia Guilherme Estrella, geólogo aposentado da Petrobras considerado o “pai do pré-sal”. Segundo ele, foram feitas centenas de perfurações em águas rasas na Margem Equatorial entre as décadas de 1970 e 1990, mas à época não foi encontrado nada substancial. Depois que a Guiana descobriu uma gigantesca reserva em águas profundas, a região voltou ao radar da estatal brasileira, que tem tecnologia para realizar essa operação com segurança. Ex-diretor de Gás e Energia da Petrobras, Ildo Sauer acrescenta que o Brasil pode até não explorar essa megarreserva agora, mas precisa realizar as pesquisas para identificar o que guarda no subsolo. “Não permitir explorar para descobrir a riqueza beira o obscurantismo.”
A pressa é má conselheira, adverte Leandro Valentim, diretor-adjunto da Ascema, a associação nacional dos servidores da área de meio ambiente. “Todos os dias perfuram-se poços de petróleo ao redor do mundo e os acidentes são raros, mas, quando acontecem, são devastadores”, afirma o biólogo, enfatizando que o trabalho do instituto segue um cronograma e nenhuma etapa pode ser “queimada por pressões políticas”. Funcionário do ICMBio e presidente da Ascema, Cleberson Carneiro Zavaski observa que o centro de descontaminação, em construção no Oiapoque, só estará pronto em março. Somente depois será possível iniciarmos testes práticos, como simulações de acidentes. “Ninguém quer que aconteça, mas pode acontecer. Precisamos ter uma estrutura adequada para resgatar a fauna e mitigar os danos.”
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Fonte: Plano de Negócios 2025–2029 e relatórios de resultados da Petrobras. Segundo a empresa, as projeções dos primeiros
dois gráficos estão sujeitas a variações de até 10%. No último, de elaboração própria com base nos resultados divulgados pela companhia,
foram excluídos os valores pagos à União por bônus de assinatura para a exploração de blocos.
Márcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, diz ser falacioso o argumento do governo de que os recursos da Margem Equatorial vão financiar a transição energética no País. “Concretamente, não existe nenhuma lei que assegure isso”, afirma. “Do ponto de vista da agenda climática, essa nova fonte de exploração não faz sentido algum. É inimaginável pensar que esses poços devem continuar em operação daqui a 30 ou 40 anos, enquanto todos nós enfrentamos uma catástrofe climática.”
O Plano de Negócios da Petrobras prevê investimentos de 111 bilhões de dólares entre 2025 e 2029. Desse montante, apenas um décimo, 11 bilhões, será destinado a projetos de gás e energias de baixo carbono. A empresa esclarece, no entanto, que as iniciativas para a transição energética são transversais e totalizam 16,3 bilhões de dólares – cinco vezes mais que o valor previsto para atividades exploratórias na Margem Equatorial. Em termos específicos, serão destinados 5,3 bilhões para a mitigação de emissões, 5,7 bilhões para energias renováveis (eólicas, solares e hidrogênio verde), 4,3 bilhões para bioprodutos (etanol, biorrefino, biodiesel e biometano), além de 1 bilhão para Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação.
Não é pouca coisa, sobretudo quando se observa a derrocada nos investimentos da estatal após a Operação Lava Jato. Em 2013, a Petrobras investiu mais de 48 bilhões de dólares, valor que despencou para 8,9 bilhões no último ano do governo Bolsonaro (gráfico à pág. 21). Tanto o capitão quanto seu antecessor, Michel Temer, priorizaram os dividendos pagos aos acionistas, em volumes exorbitantes e fora dos padrões do setor, com a venda de ativos de distribuição e refino, além de uma operação voltada quase exclusivamente à produção e exportação de óleo cru. Somente agora, com Chambriard no comando da companhia, a Petrobras parece ter retomado a estratégia de se converter em uma empresa de energia, não apenas de extração de petróleo. Daí a aposta no desenvolvimento de bioprodutos e energias de baixo carbono. Os valores investidos na transição energética podem estar muito aquém do que desejam os ambientalistas, mas é inegável o contraste com o desmonte das gestões anteriores. •
Publicado na edição n° 1350 de CartaCapital, em 26 de fevereiro de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Foz da discórdia’