Por Conceição Lemes
Na quarta-feira, 05/02, após 23 dias de protesto, os indígenas do Pará conquistaram o compromisso do governador Helder Barbalho (MDB) de revogar a famigerada lei 10.820/2024.
O movimento começou em 14 de janeiro.
Indígenas ocuparam a Secretaria de Educação do Estado do Pará (Seduc), fizeram manifestação na BR-163 e em vários pontos do Estado em protesto contra a lei sancionada em dezembro de 2024 pelo governador.
A lei 10.820/2024 extinguia o Sistema de Organização Modular de Ensino (Some) e sua versão indígena (Somei), responsáveis por levar ensino médio presencial às comunidades indígenas.
Por essa lei, Some e Somei eram substituídos por um modelo de ensino à distância através do Centro de Mídias da Educação Paraense (Cemep).
Ou seja, na sala de aula de indígenas, em vez de professor presente, uma televisão.
Ao longo desse período, Helder Barbalho, não cedeu um milímetro. Manteve-se arrogantemente intransigente.
Além disso, recorreu expedientes desonestos e nada democráticos para acabar com o movimento indígena: fake news, uso violento da polícia para reprimir manifestações pacíficas, cooptação de membros da Federação dos Povos Indígenas do Pará (Fepipa).
O resultado foi o oposto do que o governador pretendia.
O movimento indígena resistiu bravamente na Seduc, cresceu e venceu.
Nessa batalha, a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, poderia ter sido a grande mediadora.
Não foi. E ainda saiu menor do que entrou.
Assumiu a incompreensível posição da Fepipa contra a demanda do movimento indígena, que exigia a revogação da lei 10.820/2024 e a exoneração do secretário da Educação do Pará, Rossieli Soares.
Sônia Guajajara foi a Belém (PA) apenas em 27 de janeiro, ou seja, 14 dias após o início do movimento.
Nesse dia, em sua fala na Seduc (no vídeo, ao final), Sônia fez uma grave acusação aos jornalistas.
A jornalista e advogada Franssinete Florenzano, do portal Uruá-Tapera, escreveu a respeito:
”A secretária de Estado dos Povos Indígenas, Puyr Tembé, perdeu credibilidade junto aos seus parentes e a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, que só veio a Belém depois de ser desafiada publicamente pelos caciques (que mantiveram seu representante retido no prédio da Seduc até a chegada dela), deu mais um tiro no próprio pé, acusando os jornalistas de “usarem os indígenas em benefício próprio”.
“Sem explicar que benefícios seriam esses, Guajajara esqueceu que se tornou celebridade justamente porque os jornalistas que defendem a pauta indígena deram visibilidade pessoal a ela, que se beneficiou a ponto de virar ministra. As etnias indígenas repudiaram ambas. Os cargos passam, os povos e as causas ficam”.
João Paulo Guimarães é o autor da foto de Sonia Guajajara que ilustra este artigo. Ela foi feita no auditório da Seduc.
”Eu sempre soube que minha existência é um problema para pessoas como Helder Barbalho e Bolsonaro”, escreveu João Paulo em seu perfil de rede social em mensagem dirigida à ministra Sônia Guajajara.
”Mas escutar de você que NÓS, jornalistas, somos parte do problema? Que queremos dividir e usar os indígenas e professores em benefício próprio? Dividir o movimento pela educação? Me deixou triste”, observou.
João Paulo Guimarães é fotojornalista, jornalista e escritor. É autor do livro O Caçador de Trolls, recém-lançado pela Editora Hortelã.
Segue a íntegra da mensagem dele à ministra.
Ministra @guajajarasonia
“Nós, jornalistas, comunicadores populares e artistas do audiovisual que cobrimos a ocupação desde o primeiro dia, produzindo vídeos e fotos que sensibilizam nossos seguidores, explicando passo a passo o grande retrocesso que é a Lei 10.820/24, explicando em detalhes o que é o SOME e o SOMEI, um assunto delicado e difícil, mas que fazemos o possível para contemplar o assunto em nossas redes não tão famosas e com o alcance que uma liderança e ministra como você tem.
Ministra Sônia Guajajara. Quando você era deputada eu já cobria você. Na pandemia entrevistei você.
Durante o governo Bolsonaro fui eu e muitos outros jornalistas, comunicadores e formadores de opinião que brigamos para que cada grito de socorro e pedido de fala indígena, quilombola e ribeirinho fossem escutados em espaços da mídia.
Eu busquei de todas as formas levar reivindicações de todos os povos que precisavam comunicar suas dores, seus temores e pedidos de justiça.
Eu estive em cemitérios na pandemia, hospitais, campanhas de vacinação, rios, matas da Amazônia em meio ao fogo, no cerrado em brasa e no Pantanal testemunhando as queimadas.
Eu vi a fome em primeira mão nos lixões, vi a miséria da população e lutei com palavras e imagens para que as vozes e rostos fossem publicadas em agências como Repórter Brasil, A Pública, Mongabay, AFP e Intercept Brasil.
Hoje eu ainda não tenho casa, carro, salário fixo e só consigo sustentar minha filha com o apoio dos familiares. Isso nunca vai ser um problema quando meu trabalho for necessário com agora durante a ocupação pela educação na Seduc.
Eu sempre soube que minha existência é um problema para pessoas como Helder Barbalho e Bolsonaro.
Mas escutar de você que NÓS, jornalistas, somos parte do problema? Que queremos dividir e usar os indígenas e professores em benefício próprio? Dividir o movimento pela educação? Me deixou triste.
Mas é a tristeza de quem sabe que aqueles que consideram a imprensa inimiga, são as pessoas que precisam ser combatidas. E isso nunca pensei que pudesse acontecer. Espero que você reveja sua fala e postura. Não condiz com seu histórico.
Um abraço daquele que lhe chamava de Professora Sônia.”
Abaixo, o vídeo mencionado no início. A fala da ministra acusando os jornalistas é logo no início.
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