A decisão da Copa Libertadores da América, no sábado 30, no Estádio Monumental de Buenos Aires, foi o jogo mais estranho que guardo na memória.
Foi o mais recheado de situações-limite, tanto no sentido de levar os torcedores à depressão quanto, no instante seguinte, fazê-los experimentar o máximo de euforia. Mais uma vez, porém, prevaleceu a sabedoria popular, sempre a avisar que “futebol não tem lógica”.
Para começar, chama atenção o fato de um jogo da importância de uma decisão de Libertadores, o título mais cobiçado deste lado do mundo, ser disputado na Argentina por dois clubes brasileiros. Isso exigiu a mobilização de milhares de torcedores dos dois alvinegros, o mineiro e o carioca, rumo à capital do país vizinho.
Pois não é que, em menos de um minuto, aos 29 segundos do apito inicial, deu-se a exclusão de um jogador do Botafogo?
Com isso, ia por água abaixo a expectativa – que, no fim, se revela sempre inútil – de se ter um favorito. Como, num encontro dessas características, resistir, durante o longo tempo restante, com um jogador a menos, para conseguir, no mínimo, um gol de diferença?
O Galo mineiro continuou seu jogo e, na sequência imediata da expulsão, chegou a mostrar-se superior, diante de certo abalo na organização da defesa do Botafogo. “Logicamente”, o time ainda teria pelo menos 80 e tantos minutos para impor sua vantagem. Começava ali a angústia do torcedor alvinegro carioca.
Quem, em sã consciência, poderia imaginar que o primeiro tempo de um jogo com essas características terminasse com o placar de 2 a zero em favor dos botafoguenses?
Qual seria a expectativa dos torcedores das duas equipes senão a de que os atleticanos passassem a martelar incessantemente os botafoguenses, que passariam a se defender bravamente, procurando, como se dizia nos tempos do predomínio do rádio, “a cidadela” do inimigo?
Aos adversários, conforme a lógica incansável, não restaria a alternativa de defender a qualquer custo a vantagem conseguida “milagrosamente” na etapa anterior.
E então, mal dada a saída para o segundo tempo, um jogador do Atlético que acabara de substituir um colega, no primeiro escanteio, longe das traves do adversário, acerta a mais improvável cabeçada que leva a bola a morrer no cantinho do goleiro botafoguense.
O jogo, daí pra a frente, se resumiria a um ataque contra defesa, mas que resistiu à tendência de se tornar um “peladão” – algo que chegou perto de acontecer.
Tratou-se, a meu ver, de um dos jogos com mais alternativas discrepantes de que tive notícia.
Embora sempre tente manter a razão, confesso que, ao se aproximar o final do tempo normal, já sabendo de longa prorrogação de um jogo tão truncado, cheguei a pensar que poderia passar mal!
E acho que deve ter havido muita gente passando mal assistindo a esse jogo de loucos. Mas o fato é que não havia acabado, e então voltei aos tempos de jogador, quando chega a hora mais sofrida: jogar contra o relógio maldito que cisma em não se mexer.
Quando só se torcia para o jogo acabar, com o Botafogo apostando tudo em não levar um gol, vem a explosão final da emoção: além de não tomar o gol, o Botafogo marca mais um a favor.
Foi realmente uma situação inimaginável até para as mentes mais fortes e criativas. Uma partida com essas características leva tempo para ser digerida.
As ruas revelam inspirações e raciocínios os mais férteis, mas fico mesmo é com a ideia de que o treinador Artur Jorge esteve o tempo todo firme na forma de jogar e manteve sua convicção, à frente de sua Comissão Técnica e do elenco, até a vitória.
O Botafogo venceu também pelo equilíbrio emocional construído no decorrer do campeonato. Isso equivale a dizer que o conjunto dos que trabalharam na campanha fizeram por honrar o hino do clube no trecho em que diz: Foste herói em cada jogo…
Não podemos também deixar de destacar a campanha espetacular do Atlético Mineiro. •
Publicado na edição n° 1340 de CartaCapital, em 11 de dezembro de 2024.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Foste herói’