Folha de S. Paulo. Colher verdade para vender mentira?
por Armando Coelho Neto
O tema, em princípio, é Folha de S. Paulo, mas cabe antes falar de Globo, por pertencerem a mesma cepa. Em 1992, a emissora produziu a bem-sucedida série “Anos Rebeldes” (Gilberto Braga), na qual conta parte da ditadura militar, com foco inclusive na guerrilha, sequestro de embaixadores, etc., mas comete a proeza de omitir o seu próprio papel como braço dos ditadores e que deles foi porta-voz.
Folha de S. Paulo. Não, leitor, não cabe relembrar que ela conseguiu lacrar que foi vítima de “invasão” pela Polícia Federal, durante o governo Fernando Collor de Mello, o salvador da pátria de então, um “imbroxável” da época que tinha “aquilo roxo”. Junto com a Globo et caterva, o jornal o tornou presidente. “Invasão? ” Os policiais federais da operação nunca foram ouvidos. Vale a versão dos Frias.
Também não cabe aqui, falar de “Folha Corrida”, um documentário produzido pelo Instituto Conhecimento Liberta (ICL), segundo quem, a Folha abrigava agentes da ditadura que “torturavam de manhã e trabalhavam no jornal à tarde”. O veículo publicava fotos, nomes completos e filiação de militantes do Partido Comunista, conclamando o público a fazer denúncias. É o que diz a produção do ICL.
A Folha de S. Paulo vive há anos “contando mentiras dizendo verdades”. Aliás, tema de uma peça publicitária dela, premiado em Cannes (1988). Num fundo difuso, o narrador enaltece um governante que recuperou a economia de seu país e devolveu o orgulho ao seu povo, e até queria ser artista. Ao ser aberta a imagem, surge Adolf Hitler, e ouve-se: “É possível contar um monte de mentiras dizendo só verdades”.
Na prática, a Folha de S. Paulo colocou Lula e Hitler no mesmo patamar, com visível intento de desqualificar Lula, com a imagem esfolada pela prisão espúria, e apoiar a candidatura adversária. É que esse mesmo comercial voltou a ser exibido em 2018, durante a campanha presidencial daquele ano, quando os indiscutíveis feitos do presidente Luís Inácio Lula da Silva estavam sendo exaltados.
Os feitos positivos de Hitler e de Lula eram verdadeiros, já que tanto um quanto outro trouxeram dados positivos às economias de seus respectivos países. Tanto um quanto o outro, devolveram o orgulho ao seu povo. Mas, com mentiras embutidas, seja na falsa e maldosa comparação entre as duas personalidades, seja pelo fato da comparação estar a serviço da candidatura apoiada pelo jornal, que se diz isento.
Quando fake news e disciplina nas redes sociais voltam ao centro do debate, nota-se que na prática as redes só potencializaram o que Globo e Folha (meros exemplos) já o faziam. Como dito no comercial, difundiam e difundem mentiras falando verdades, de forma clara ou camuflada. Não debater o sequestro do orçamento por um parlamento corrupto é uma forma de mentir.
Em 13/08/2024, a Folha publicou: “Moraes usou TSE fora do rito para investigar bolsonaristas no Supremo, revelam mensagens”. O uso do genérico “rito” colocou sob suspeita a pessoa do ministro e o próprio tribunal, criando dúvida sobre algo que a rigor não teria rito algum. Seria uma nova Vasa-Jato? O veículo só quis estabelecer uma falsa similaridade e ou semelhança com o ex-juiz ladrão de Curitiba.
A Folha está preparando uma série especial de reportagens sobre o julgamento do ex-capitão. Diante do impacto no futuro do país, com garantia de sigilo e fins estatísticos, o jornal quer saber de possíveis leitores, quais temas gostariam que fossem aprofundados. Nesse sentido, é importante tirar a máscara do jornal, e dele pedir compromisso com a democracia, sem flertes com golpistas.
Folha, Globo et caterva sabem que pavimentaram o caminho para o nazifascismo. Sabem que os problemas de hoje têm raízes num passado próximo com o qual compactuaram. Palavras como ditadura, democracia, censura, direitos fundamentais ganham sentido de ocasião. Os que distorcem os seus sentidos ganham palanques e visibilidade em nome de uma polifonia corrosiva.
Se a Folha está mesmo preocupada com o impacto do julgamento do ex-capitão, tem que resgatar o sentido real das palavras, dar a dimensão real dos acontecimentos. Da Adutora do Gandu aos 700 mil mortos, falar de genocídio, fome, joias, imóveis, discriminação, aporofobia, inclusão, narcopentecostalismo, coisa e orçamento públicos. Há que se reconstituir a história, resgatar valores. Sem anistia.
Entrar na história para contar a História, sem essa de colher verdade para vender mentira.
Armando Rodrigues Coelho Neto é jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo
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