A dengue voltou a assombrar os lares brasileiros. Em 2024, a doença transmitida pelo mosquito Aedes aegypti provocou mais mortes que a Covid-19. Ao todo, foram registrados 6.041 óbitos pela moléstia, um aumento de mais de 400% em relação ao ano anterior, segundo dados divulgados pelo Ministério da Saúde. Agora, o País corre contra o tempo para reforçar as medidas preventivas em pleno verão, quando as chuvas abundantes e as altas temperaturas favorecem a proliferação do vetor. Sem estoque suficiente para imunizar todos os brasileiros, a vacina contra a dengue continua restrita à população com idade entre 10 e 14 anos, faixa etária que concentra maior número de hospitalizações pela moléstia.
O Brasil é o primeiro – e, até o momento, o único – país do mundo a oferecer vacina contra a dengue pela saúde pública. O problema é que a farmacêutica japonesa Takeda, produtora da vacina QDenga, tem capacidade limitada de produção, e não é capaz de ofertar o produto de acordo com a demanda nacional. Conforme a secretária nacional de Vigilância em Saúde e Ambiente do Ministério da Saúde, Ethel Maciel, o País comprou todas as doses disponíveis no ano passado, cerca de 6 milhões, e já encomendou todo o estoque possível deste ano, 9,5 milhões.
Uma das preocupações da pasta é garantir a segunda dose da vacina a todas as crianças e adolescentes que receberam a primeira. O reforço após três meses é crucial para assegurar a eficácia completa. “Temos observado um número alto de pais que não retornam com os filhos para completar a imunização. Isso é bastante grave”, alerta Maciel. Da mesma forma, causa apreensão o retorno do Sorotipo 3 da dengue, que voltou a circular no País. Ele não era identificado no território nacional desde 2008.
Há expectativa de ampliar o quadro de imunização assim que a vacina produzida pelo Instituto Butantan for liberada pela Anvisa. Ela só foi submetida à avaliação em dezembro do ano passado, mas a agência trabalha em regime de urgência para tomar uma decisão o quanto antes.
O imunizante Butantan-DV está sendo desenvolvido há cerca de dez anos. Os ensaios clínicos foram encerrados em junho de 2024, quando o último participante do estudo completou cinco anos de acompanhamento. Os dados de segurança e eficácia da vacina foram divulgados no prestigiado periódico científico New England Journal of Medicine. Eles demonstraram uma eficácia geral de 79,6% para prevenir casos de dengue sintomática. Já os resultados da terceira e última fase do ensaio clínico, publicados na revista The Lancet Infectious Diseases, mostraram proteção de 89% contra a dengue grave e a dengue com sinais de alarme, com proteção por até cinco anos. A notícia é celebrada pelo diretor do Instituto Butantan, Esper Kallás: “É um dos maiores avanços da saúde e da ciência na história do País, além de uma enorme conquista em nível internacional”.
O Butantan terá uma capacidade de produção superior àquela da indústria japonesa Takeda. Poderá disponibilizar cerca de 100 milhões de doses ao Ministério da Saúde nos próximos três anos, sendo 1 milhão ainda em 2025. A Anvisa já inspecionou a fábrica, considerou as instalações adequadas e emitiu um certificado de Boas Práticas de Fabricação.
O médico sanitarista Gonzalo Vecina, fundador e ex-presidente da Anvisa, explica que o processo de liberação de uma vacina é mais demorado que o de um medicamento convencional, porque a responsabilidade é maior: “Ela é aplicada em quem não está doente, diferentemente do remédio destinado a quem está padecendo”. A avaliação de um imunizante é feita em três fases: a primeira testa segurança, a segunda verifica a eficácia e a terceira mede a efetividade e o impacto no organismo. “O Butantan estudou 16 mil casos. Contratou de oito a dez centros de pesquisa e incluiu dois países nesse processo. É um projeto muito robusto”, diz Vecina, acrescentando que as medidas de prevenção continuarão necessárias, pois o mosquito não transmite apenas dengue.
No ano passado, a doença causou mais mortes que a Covid-19
Ciente de que a vacina não é uma panaceia, a ministra da Saúde, Nísia Trindade, anunciou, em 9 de janeiro, a instalação do Centro de Operações de Emergências para Dengue e outras Arboviroses, batizado com a sigla COE Dengue. Nessa estrutura, uma equipe multidisciplinar trabalha para mitigar os impactos desta e de outras doenças transmitidas pelo Aedes aegypti, como chikungunya e zika. “Ainda seguimos a lógica de que prevenir é sempre melhor do que remediar, e isso inclui medidas simples que cada cidadão pode adotar, como dedicar ao menos dez minutos semanais para eliminar possíveis focos do mosquito em casa e nas proximidades”, afirmou durante o lançamento do COE Dengue.
De acordo com a secretária Maciel, a alta de casos em 2024 deve-se a vários fatores, mas as mudanças climáticas tiveram papel significativo. Com as inundações que atingiram a Região Sul, multiplicaram-se os depósitos de água parada. Além disso, as altas temperaturas registradas no ano passado aceleraram o desenvolvimento das larvas do mosquito.
A boa notícia é que as projeções do Ministério da Saúde indicam uma tendência de redução do número de infecções em 2025. “No comparativo da primeira semana de 2024 com agora, já identificamos menos casos e mortes”, observa Maciel. Atualmente, São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e Paraná estão em situação de alerta. A secretária acrescenta que a pasta desenvolveu um protocolo de atendimento para orientar todas as etapas dos serviços de saúde, porque foram identificadas muitas falhas no processo tanto nos estados quanto nos municípios. “A troca de comando nas cidades é algo que aumenta o desafio de controle, porque muitos secretários que acabaram de assumir o cargo não têm ainda experiência para lidar com um surto.” •
Publicado na edição n° 1345 de CartaCapital, em 22 de janeiro de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Foco no mosquito’