Com perfil liberal e de direita, o presidente da Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg), Flávio Roscoe (foto/Tião Mourão), ensaia entrar para a política, mas ainda tem muitas dúvidas em relação a esse caminho. Ele diz perceber que muitos entram para a política defendendo bandeiras bem definidas. Quando assumem o posto, perdem-se no meio do caminho. Com o seu mandato na entidade ampliado por mais um ano, Roscoe aproveita para encontrar respostas para as suas indagações e se debruça na situação instável da economia brasileira.

 O ano de 2024 fechou com o dólar e a taxa de juros nas alturas. Onde o governo errou e o que esperar para esse ano de 2025?

 É basicamente o ciclo expansão do gasto público, que mesmo com o aumento da arrecadação foi maior, e com isso  gerou incerteza com relação ao quadro fiscal futuro do país e a capacidade do Brasil de continuar rolando os seus compromissos.  Eu acredito que nós estamos vendo a instabilidade em função disso, e espero que o governo apresente o pacote adicional de redução de custo para a gente desinflar essa bola e trabalhar um crescimento mais sustentável.

Tem sido muito cobrado o governo para fazer esse corte de gastos. Onde que o governo erra ao não consegue convencer os deputados e nem a ao próprio governo da necessidade desses cortes?

Acho que a maior dificuldade do governo é convencer o próprio governo.  Na hora que você propõe  ao Congresso aumento de gasto público, o Congresso tende a fazer de tudo para agradar a curto prazo, aqueles ganhadores nas eleições. Muita gente não tem a dimensão, nem a própria população, de que é ela que paga essa conta. Toda vez que há um pacote de benesses, que um conjunto da sociedade está recebendo, é o resto da sociedade que está pagando.  Mas, infelizmente, aqueles que estão pagando tendem a ser silenciosos e os que estão recebendo, são ruidosos. Na prática, o que a gente vê é a tendência da democracia. Se não houver um controle, muito grande nos gastos públicos, a tendência de qualquer governo, de qualquer parlamento, é a expansão do gasto público.

O senhor é um dos críticos dos juros altos e mesmo com o Gabriel Galípolo no Banco Central, a taxa Selic vai continuar alta. Qual que é a percepção da indústria em relação a essa situação?

Se não for ajustado o problema do gasto público, vai continuar alta, porque vai ter que ser alta para conseguir rolar os compromissos. Nós tivemos no final do ano, o primeiro dia que o Brasil desistiu de ofertar papéis e quando o fez, ofertou  a níveis máximos. Na prática, enquanto houvesse incerteza, dificuldade de financiamento da economia, e essa incerteza, é toda motivada pela expansão do gasto fiscal, não importa muito quem está lá no comando do Banco Central. Os juros serão altos, com certeza.

O senhor falou em uma revisão dos gastos com benefícios sociais, porque quem recebe esses benefícios sociais acaba não indo trabalhar. É hora de rever todos os gastos sociais e, também os incentivos fiscais?

 Em nenhum momento defendo a redução do benefício social. Eu disse apenas que o governo deveria trabalhar, dialogar com o trabalhador e que quando a pessoa fosse para o mercado do trabalho, ela não perdesse seu benefício. Eu falei que é preciso que houvesse um diálogo entre o benefício e o mundo do trabalho, e ainda cogitei países como a França, que tem um amplo sistema de SUS de assistencialismo social, em que se a pessoa, após 3 ofertas de emprego por parte do governo, rejeitasse as propostas, então elas seriam desligadas. Com relação ao incentivo fiscal, as pessoas também são equivocadas. Parece que são as empresas que estão  recebendo incentivos fiscais. Quem ganha com inventivo fiscal é a população. Com isso se cobra menos impostos, é menos imposto no conjunto de produtos e serviços. Quais são os produtos hoje que têm incentivo fiscal no Brasil? É alimentação de base agrícola,  que se tiver mais imposto, o pão vai aumentar. Então as pessoas defendem o aumento do pão. Ótimo. As pessoas defendem o aumento do leite. Ótimo. São todos setores altamente incentivados. Basicamente carne, pão, leite, alimentação, área de saúde, área hospitalar, que têm incentivo fiscal. Se você for pegar quase todo o conjunto de setores que tiveram incentivos fiscais, redução na reforma tributária, são todos eles  ligados ao consumo da população. A própria Fiemg decidiu que não houvesse exceções na reforma tributária, para que a carga global fosse menor.  Mas o poder público, entendeu que aqueles setores essenciais na produção de alimentos tivessem um benefício fiscal. Então, a discussão do benefício fiscal já é uma discussão superada. Ela é página virada. A decisão foi do Congresso e do governo, deste governo, em manter os benefícios fiscais que estão aí para determinadas faixas da população.

 A radicalização política em que prejudica a economia?

 A política não é a radicalização política. A política ela determina tudo, inclusive a economia. Na verdade, a falta do diálogo político é prejudicial e na minha leitura, o diálogo é necessário. As pessoas têm que expor suas posições sem ser estereotipada. O grande problema no Brasil hoje é que você fala uma coisa e é estereotipado. Toda vez que eu defendo uma tese, por exemplo, que a esquerda é defende, ninguém fala nada. Se eu defender uma tese da direita, eu sou direitista, ou bolsonarista. É um equívoco. E muitos dos que falam do radicalismo são os que justamente pregam o radicalismo e rotulam as pessoas de maneira constante. Por exemplo, agora mesmo nós da Fiemg estamos defendendo o veto do presidente Lula aos jabutis no projeto da eólica offshore, que a esquerda votou contra e nós estamos defendendo que seja contra. Nós estamos do lado da esquerda. Da esquerda ninguém fala que eu sou lulista. Quando eu defendo uma causa da direita, todo mundo me acusa de ser bolsonarista. As mesmas pessoas que criticam o radicalismo na política, promovem o radicalismo na política, que é a ausência do diálogo. Na verdade, não há radicalismo na política. Há pessoas que oportunamente se apropriam do discurso político e, quando lhes convém, rotulam de radicais aquelas pessoas ou determinadas pessoas que têm opinião contrária a ela.

Donald Trump assume agora em janeiro e já com algumas ameaças aos produtos brasileiros. O que se esperar do governo Trump?

 É uma incógnita. Nós vamos ter que esperar para ver. Eu ainda acredito que no conjunto, como se fala muito mais em relação à China, a gente vai ter mais abertura do que perda nesse diálogo, ocupando algum espaço que a China deixar ali. Nós já vimos muito isso de governos, que têm uma narrativa muito grande e depois, na hora de executar, executa muito pouco do que tinha proposto. Temos que esperar as medidas concretas. Acredito também que por estarmos nas Américas, no médio e longo prazo, há um alinhamento automático, já que as economias são complementares. E se houver essa guerra entre China e Estados Unidos, da dimensão que estão falando, o que eu particularmente não acredito,  o Brasil pode ser um grande beneficiado, substituindo também os Estados Unidos. Quem é  o nosso concorrente de soja, de milho, de produtos agrícolas do mundo? O maior produtor mundial de produtos agrícolas é a China e os Estados Unidos. Mas o maior exportador é os Estados Unidos, depois é o Brasil. Então, uma guerra entre China e Estados Unidos, pode sobrar para gente nas duas pontas, no sentido de fornecer produtos que os Estados Unidos não venderiam para a China e fornecer produtos para um e para o outro. Embora eu não acredite, se houver essa guerra comercial, o quadro é benéfico para o Brasil nas duas posições.

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Last Update: 04/01/2025