O “Agora Tem Especialistas”, lançado em 30 de maio, veio para diminuir tempos de espera para seis especialidades e garantir acesso oportuno e adequado. Para tanto, vai utilizar a capacidade instalada existente, incluindo setor filantrópico e privado, qualificar a atenção primária, modernizar e equipar hospitais públicos e aumentar vagas para residência médica. O comitê responsável pela implementação do programa inclui órgãos públicos, operadoras de planos e entidades de representação das filantrópicas.

A consigna “dar um jeito nas filas”, figura carimbada em todos os programas eleitorais de prefeitos, governadores e presidentes, dessa vez recebeu adendos inovadores. A previsão é responder, ainda em 2025, aos problemas de saúde acumulados e aos desafios contemporâneos, em particular, aos cânceres.

O “Agora” tem duplo sentido: a urgência, o compromisso de não enrolar os pacientes e uma aposta no papel decisivo da saúde nas eleições presidenciais em 2026. Outras novidades consistem em um arranjo legal híbrido e mais centralizado, tabelas turbinadas de remuneração e troca de dívidas por serviços de estabelecimentos e empresas classificados como “Não SUS”.

Somando acertos técnicos (prioridades bem selecionadas) e a convocação de empresas, o “Agora Tem Mais Especialistas” tenta abrir uma trilha para o uso imediato da atenção especializada, que não por acaso tem natureza privada.

As premissas heterodoxas do programa suscitam dúvidas. A principal pergunta é se a oposição e os ferrenhos defensores das linhas de demarcação entre público e privado (não necessariamente os mesmos) estão sintonizados com as expectativas do Ministério da Saúde. Governadores, prefeitos de coligações de direita e empresários, entorpecidos por vícios de benefícios públicos, se moverão em direção a uma estrutural ampliação do acesso para os mais pobres?

Outra indagação crucial diz respeito à compatibilidade entre a magnitude das atividades previstas e a alocação de recursos financeiros. Para diagnosticar e tratar inúmeros problemas (entre os quais mais de 1,3 mil tipos de cirurgias) estariam disponíveis 15 bilhões de reais, valor que corresponde a menos de 10% do orçamento destinado ao Ministério da Saúde em 2025. As cifras expostas durante a apresentação do “Agora Tem Especialistas” serão revistas, acrescidas? As ambiciosas metas assistenciais do programa serão compatíveis com mais gastos públicos com saúde?

Nesse mesmo sentido, o da origem das despesas, é relevante saber sobre as reais possibilidades da troca de dívidas por serviços. Como foram calculados os 4,4 bilhões de reais a serem convertidos? O que significa essa pequena fração do montante devido pelas empresas do setor? A permuta tem prazo de validade? Ficará vigente um processo permanente de renúncias tributárias? Com uma tabela SUS plus e empresas de planos de saúde e hospitais que remanejarem suas dívidas, os pacientes do SUS serão admitidos pela porta da frente em estabelecimentos privados e filantrópicos?

Usar dinheiro com chapéu alheio desperta muitas incertezas. No “Instagram” ministerial, paciente atendido em uma Unidade Básica de Saúde é encaminhado direto para um hospital privado, como será o fluxo público-privado na realidade? Funcionários do SUS entrarão nesses estabelecimentos para verificar a qualidade e a segurança dos procedimentos? Quem será o responsável por eventuais intercorrências, erros?

A quarta questão refere-se à frota nacional de carretas e ambulâncias. Nesses veículos haverá saúde digital, uso de energia limpa, equipamentos adequados e profissionais capacitados, condizentes com o desenvolvimento sustentável? A perpetuação de assimetrias entre urbano e rural, cidades e áreas remotas, modernidade e atraso, expressa em ações precárias para populações ribeirinhas e indígenas, seria a antítese da ampliação do acesso e uso de procedimentos especializados?

Ter muito fio desencapado não desmerece o “Agora Tem Especialistas”, mas políticas democratizantes, quando misturadas com a lógica do rendimento eleitoral, correm risco de desandar. Medidas complementares podem conferir suportes duráveis e progressivos para o programa. Com certeza, o que não pode faltar é participação ativa, atenção redobrada, críticas de entidades da sociedade civil, parlamentares, órgãos de controle e instituições de pesquisa. •

Publicado na edição n° 1366 de CartaCapital, em 18 de junho de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Fios desencapados’

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Last Update: 12/06/2025