Boato – A Fiocruz alertou em um estudo que a vacina contra a Covid-19 aumenta a chance das pessoas morrerem e que não devemos nos vacinar.

Análise

Mesmo com a pandemia arrefecendo (em 2024, morreram menos pessoas por Covid-19 do que por dengue no Brasil), ainda há gente que insiste com mensagens antivacinas (um dos principais caminhos para sairmos do pior cenário).

Nos últimos dias, postagens afirmando que a Fiocruz teria divulgado que vacinados têm maior chance de morte começaram a ser compartilhadas em sites e grupos contrários à vacinação, utilizando como base um estudo feito por uma pesquisadora ligada à instituição.

De acordo com comentários que acompanharam as publicações, não tomar a vacina garante que a pessoa tenha menos da metade da chance de morrer. Leia algumas das mensagens que circulam na internet:

Versão 1: Deus nos acuda no Brasil: Fiocruz: após um ano, vacinados contra a COVID-19 tiveram mais chances de morrer, mostra estudo Versão 2: Você que não tomou vacina covid e foi tratado como maluco, xingado, ameaçado, demitido, restrito e perseguido, sabia uma coisa: você acertou. Pode rir da cara dos trouxas. Eles têm o dobro da chance de morrer, não você. Quem diz isso é a Fiocruz, não eu.

Checagem

Há um estudo e há um recorte dele que aponta para um dado. Fora isso, tudo que está relacionado ao assunto não passa de uma distorção. Abaixo, esclarecemos os principais pontos desta questão:  1) Houve algum estudo de uma pesquisadora da Fiocruz que relaciona mortalidade e a vacina contra Covid-19? 2) O estudo em questão sobre as vacinas contra a Covid-19 é uma verdade absoluta? 3) A Fiocruz recomenda que as pessoas não se vacinem contra a doença?

Houve algum estudo de uma pesquisadora da Fiocruz que relaciona mortalidade e a vacina contra Covid-19?

Sim, houve. Um estudo publicado na revista Frontiers in Medicine explorou os fatores que impactam o risco de mortalidade pós-Covid e nele há uma comparação de tempo de vida entre pessoas que tiveram a forma mais grave da doença entre vacinados e não-vacinados.

Só que, ao contrário do que a mensagem aponta, o estudo ressalta que a relação entre vacinação e mortalidade a longo prazo é complexa, incluindo vários fatores como idade, comorbidades e condições socioeconômicas. Leia a conclusão do artigo (traduzida):

Este estudo explora as dinâmicas complexas do risco de mortalidade pós-COVID, especialmente em relação à vacinação, no contexto brasileiro de 2020 a 2023. Notavelmente, reconhece a natureza multifacetada da COVID-19, com diversos fatores influenciando o risco de mortalidade, incluindo idade, gênero, raça, escolaridade, comorbidades e status vacinal. O estudo vai além ao investigar o impacto de longo prazo da vacinação sobre a mortalidade, revelando um panorama nuançado. Embora a imunização contra a COVID-19 ofereça proteção contra a mortalidade a médio prazo, os resultados indicam a possibilidade de reversão desse efeito no longo prazo.

De forma significativa, o estudo destaca disparidades demográficas no risco de mortalidade, com o avanço da idade, o sexo masculino e a presença de comorbidades associados a maior mortalidade. Esses achados são consistentes com pesquisas anteriores e ressaltam a importância de intervenções direcionadas para populações vulneráveis. No geral, este estudo fornece insights valiosos sobre a complexa interação entre vacinação, fatores demográficos e risco de mortalidade no contexto da COVID-19. No entanto, também enfatiza a necessidade de mais pesquisas para compreender plenamente as implicações de longo prazo da vacinação e para orientar estratégias de saúde pública em andamento.

O estudo em questão sobre as vacinas contra a Covid-19 é uma verdade absoluta?

De forma alguma. O próprio artigo enfatiza a necessidade de pesquisas adicionais para compreender todas as implicações da vacinação. Além disso, o Ministério da Saúde apontou falhas metodológicas graves no estudo, como a utilização de uma base de dados inadequada e a falta de representatividade da amostra analisada. Leia nota apontada pela pasta após o uso ideológico do estudo (o texto é grande, mas vale a pena ler):

Ministério da Saúde contesta artigo científico com análise inadequada de dados sobre a covid-19 Artigo publicado pela Revista Frontiers in Medicine não utiliza banco de dados apropriado, gerando conclusão equivocada sobre a vacinação contra a doença

Após publicação na revista científica Frontiers in Medicine, no dia 17 de dezembro, do artigo “Avaliação do risco de mortalidade pós-COVID em casos classificados como síndrome respiratória aguda grave no Brasil: um estudo longitudinal de médio e longo prazo”, o Ministério da Saúde realizou uma avaliação sobre o estudo e constatou que os dados utilizados foram analisados de forma inadequada, causando uma conclusão equivocada.

Em suas análises, as autoras do estudo alegam que “o efeito protetor da imunização contra a covid-19 foi observado até um ano após os primeiros sintomas. Após um ano, o efeito foi revertido, mostrando um risco aumentado de morte para os vacinados”; sugerindo que os óbitos estivessem relacionados às vacinas COVID-19. As pesquisadoras analisaram dados de notificação de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) classificados como covid-19 do Sistema de Informação de Vigilância Epidemiológica (SIVEP), no período entre 2020 e 2023.

Para o Ministério da Saúde, o estudo realizado não permite tais conclusões ou generalizações. Ele possui diversas limitações e erros sistemáticos que não foram considerados pelas autoras. Por exemplo, a base de dados utilizada não é apropriada para a análise de eficácia e segurança das vacinas para óbitos após um quadro de SRAG, uma vez que seu propósito é a notificação destes casos agudos até o seu desfecho direto (alta hospitalar ou óbito). A base de dados oficial para o registro de óbitos é o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), que utiliza declarações de óbitos e realiza a codificação das causas de morte de forma sistemática.

Vale destacar ainda, que o estudo utiliza uma amostra reduzida, de cerca de 5 mil registros em mais de 700 mil óbitos ocorridos no período analisado. O trabalho não faz um detalhamento sobre a caracterização da amostra e não apresenta justificativas claras para as exclusões realizadas, o que compromete a transparência e a interpretação dos resultados.

Ainda, a análise incluiu apenas pessoas que sobreviveram à fase aguda da covid-19 por pelo menos três meses, excluindo os indivíduos que faleceram antes do período de observação. Ela também desconsiderou que a vasta maioria dos casos selecionados faleceu em decorrência do quadro de SRAG por covid-19, pela natureza do banco SIVEP-Gripe. Isso favorece a permanência de pessoas vacinadas na amostragem, já que a vacina é eficaz na prevenção de mortes pela doença. Por outro lado, os casos notificados no SIVEP para SRAG por covid-19 representam uma população mais vulnerável (pessoas idosas e com comorbidades) que estão sujeitas a pior prognóstico, complicações e mortes, por diversos motivos.

Além disso, é reconhecido que a duração da imunidade conferida contra a covid-19 é temporária, demandando reforços periódicos para assegurar a proteção contra formas graves da doença, especialmente em pessoas mais vulneráveis. Ainda assim, pesquisa revelou que o risco de óbito era mais elevado entre aqueles que haviam recebido apenas uma dose da vacina, em comparação com aqueles que tomaram três ou mais doses, evidenciando que o esquema vacinal completo desempenhou um papel crucial no desfecho. Contudo, as autoras ignoraram esse fato e as demais evidências disponíveis na literatura que comprovaram a eficácia e a segurança das vacinas COVID-19, além da inadequação do dado utilizado para avaliar óbitos após a recuperação de um quadro de síndrome respiratória aguda.

Outro equívoco do estudo é inferir que eventos adversos graves, como miocardite e síndrome de trombose com trombocitopenia, supostamente relacionados à vacinação, poderiam ter aumentado o risco de óbitos em médio e longo prazo das pessoas vacinadas.

Diversos estudos publicados na literatura reafirmam a segurança da vacinação em massa contra a covid-19. Eventos adversos graves são raros e, quando ocorrem, geralmente são em poucos dias após a vacinação e possuem melhor prognóstico do que as complicações relacionadas à infecção pelo SARS-CoV-2. Os resultados do monitoramento da segurança da vacina comprovam que os benefícios superam os riscos da imunização no Brasil e em todo o mundo.

Para o Ministério da Saúde, a interpretação de causalidade direta do estudo é inadequada devido às limitações metodológicas. A amostra utilizada é limitada e compromete a representatividade dos resultados. Isso ocorre porque o estudo ignora as limitações do SIVEP, um sistema projetado para vigilância epidemiológica da SRAG, que foi utilizado como fonte de dados para os objetivos específicos do estudo científico proposto.

A Fiocruz recomenda que as pessoas não se vacinem contra a doença?

Outra ideia errada é de que o estudo demonstra uma posição da Fundação Oswaldo Cruz em relação à vacinação. A Fiocruz reitera que as vacinas são seguras e eficazes, sendo fundamentais para a redução de casos graves e mortes por Covid-19. Em nota oficial, a instituição reforçou que as vacinas salvaram milhões de vidas e recomendou que a população mantenha o esquema vacinal completo. Leia a nota abaixo:

A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) vem reiterar a posição institucional de que as vacinas contra Covid-19 aprovadas pelas autoridades sanitárias no Brasil são efetivas na redução dos casos graves e das mortes pela doença. A vacinação contra Covid-19 salvou milhões de vidas e foi fundamental para a contenção da doença e decretação pela Organização Mundial da Saúde (OMS) do fim da Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional em maio de 2023.

Existem extensas e inquestionáveis evidências científicas a esse respeito, com base em centenas de estudos de alta qualidade metodológica, cujos resultados foram publicados em revistas científicas por pesquisadores renomados da Fiocruz, de outras instituições do Brasil e de vários outros países. Sendo assim, a Fiocruz reforça a recomendação de que a população se vacine contra a Covid-19 e contra as outras doenças imunopreveníveis, conforme recomendações constantes no calendário vacinal do Ministério da Saúde do Brasil, que segue as melhores evidências científicas.

Conclusão

É falso que a Fiocruz tenha dito que as vacinas aumentam a chance de as pessoas morrerem. O estudo publicado explorou dados que demandam análises mais profundas, foi refutado pelo Ministério da Saúde e não condiz com o posicionamento da entidade.  A narrativa compartilhada é uma interpretação errada e sensacionalista, contrária à ciência e às recomendações das autoridades de saúde.

Fake news ❌

Ps: Esse artigo é uma sugestão de leitores do Boatos.org. Se você quiser sugerir um tema ao Boatos.org, entre em contato com a gente pelo e-mail [email protected] e WhatsApp (https://wa.me/556192755610).

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Last Update: 13/01/2025