X e Meta estão sentadas no colo de Donald Trump não por causa de seu penteado combover. Em um artigo no Financial Times, o advogado e escritor britânico David Allen Green diz que essas empresas precisam do apoio dos EUA para combater ações regulatórias, como na União Europeia e no Brasil.
Segundo ele, as big techs “não são tão fortes e poderosas quanto seus torcedores e críticos parecem acreditar. De fato, os provedores de plataformas de mídia social americanos são fracos diante de um obstáculo específico. Pois é a fraqueza, e não a força, que explica seu comportamento recente”.
Alguns trechos:
Só porque alguém quer que algo seja regulado, isso não o torna capaz de realmente ser regulado. Se algo é desagradável ou indesejável, a demanda instantânea é que algo seja feito, e que a coisa indesejada possa ser regulada para que não aconteça.
A noção de que tudo o que precisamos para tornar o mundo um lugar melhor é “mais regulamentação” está profundamente enraizada em nossa cultura. E uma coisa pela qual o clamor por regulamentação é feito são as plataformas de mídia social. Se ao menos elas fossem “mais bem reguladas”, diz o sentimento popular, então vários problemas políticos e sociais seriam todos resolvidos.
Mas há dois problemas com a regulamentação de plataformas de mídia social. O primeiro vem da própria tecnologia que deu origem a esse fenômeno relativamente recente, mas agora quase onipresente. O segundo é que impor regulamentação eficaz contra plataformas relutantes exigirá ação governamental determinada e inabalável, além de vontade política — a possibilidade da qual as plataformas agora estão fazendo o que podem para evitar.
Basicamente, a mídia social é sobre a capacidade de qualquer pessoa com uma conexão de internet usar uma plataforma online para dizer qualquer coisa que quiser sobre qualquer pessoa para qualquer pessoa. Assim que o que eles querem dizer é digitado — ou gravado em vídeo e áudio — tudo o que eles precisam fazer é pressionar enter e é publicado — ou transmitido — para o mundo. (…)
Como esse balbucio constante seria regulado? Seria possível? Ou seria tão fútil quanto tentar regular conversas cotidianas em casa ou na rua?
As plataformas fizeram lobby com sucesso para que a responsabilidade legal fosse incorrida somente se uma solicitação de remoção válida não fosse concedida. E, em qualquer caso, essa abordagem só funcionou quando havia causas de ação jurídica individuais preexistentes: fazia sentido em relação à difamação de um indivíduo específico identificável.
O obstáculo é a regulamentação por jurisdições fora dos EUA — principalmente na União Europeia, mas também em outros lugares, como o Brasil e a China
Mas a desinformação em massa e a desinformação muitas vezes não violam nenhum direito privado dos indivíduos. A verdadeira vítima, em vez disso, é o discurso público saudável. Outro desafio foi a informação perigosa em relação à automutilação e ao suicídio. E também a promoção de atividade criminosa, como abuso infantil ou terrorismo.
Esses problemas eram gritantes e exigiam mais do que meros avisos de retirada por parte dos reclamantes. De fato, muitas vezes não haveria reclamantes cientes de tal material, apenas aqueles que buscavam consumi-lo. Vigilância constante seria necessária.
Uma maneira de lidar com isso seria as plataformas de mídia social empregarem sistemas complexos e caros. Isso seria uma imposição de custo imensa para plataformas que queriam principalmente monetizar dados e vender publicidade no verso das postagens de usuários nas mídias sociais. Mas seria uma imposição que as plataformas só aceitariam se não houvesse alternativa. (…)
Figuras impulsivas como Elon Musk, o dono do X (anteriormente Twitter), e tomadores de decisão inconsistentes como Mark Zuckerberg, da Meta, podem nos desviar do que suas empresas estão racionalmente buscando alcançar.
E houve alguns eventos que indicam que tais empresas não são tão fortes e poderosas quanto seus torcedores e críticos parecem acreditar. De fato, os provedores de plataformas de mídia social americanas são fracos diante de um obstáculo específico. Pois é a fraqueza, e não a força, que explica seu comportamento recente.
O obstáculo é a regulamentação por jurisdições fora dos EUA — principalmente na União Europeia, mas também em outros lugares, como Brasil e China. As plataformas de mídia social perceberam que não podem vencer as batalhas com governos estrangeiros e sistemas legais sozinhas. Elas não são poderosas o suficiente para resolver seus próprios problemas. Elas precisam de ajuda.
Um exemplo aqui é como X e outros interesses comerciais dirigidos por Musk passaram pelos movimentos de se opor à ordem do Supremo Tribunal Federal brasileiro para retirar material ofensivo, apenas para capitular e cumprir as obrigações impostas pelo sistema judicial brasileiro e pela lei local.
Essa fraqueza corporativa diante da ação estatal determinada não deveria ser surpreendente. Em qualquer batalha final, o estado prevalecerá sobre uma corporação pela simples razão de que uma corporação como pessoa jurídica só tem existência legal e direitos na medida estabelecida pela legislação. Aqueles que controlam a lei podem, se quiserem, controlar e domar qualquer corporação em sua jurisdição.
É por isso que, por exemplo, a corporação mais poderosa que o mundo tinha visto até então — a East India Company — foi sumariamente dissolvida pelo parlamento britânico em 1874. É também por isso que o Bell System de empresas de telecomunicações foi desmembrado pela lei e política antitruste dos EUA na década de 1980. As empresas podem ser muito poderosas — mas sempre há algo mais forte do qual elas dependem para reconhecimento legal.
Grandes empresas, portanto, depositam grande confiança em serem capazes de influenciar políticas públicas e legislação. Isso explica o que a Meta fez, por exemplo, com a nomeação do ex-vice-primeiro-ministro pró-europeu do Reino Unido Nick Clegg como vice-presidente de assuntos globais e comunicação. Essa foi uma boa escolha para uma empresa que busca influenciar construtivamente a formulação e implementação da política da UE.
Como demonstra a rendição de Musk e X aos tribunais brasileiros, o poder estatal provavelmente sempre vencerá as plataformas se for testado
(…) A reeleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos proporcionou à Meta uma oportunidade gloriosa de mudar da cooperação fútil com a UE para o confronto e a coerção. Se a Meta conseguisse colocar o governo dos EUA do seu lado em suas batalhas com a UE e outras jurisdições, então maximizaria suas chances de sucesso.
Em seu anúncio no Facebook desta semana sobre mudanças em várias políticas, Zuckerberg disse abertamente que queria “trabalhar com o presidente Trump para pressionar governos ao redor do mundo. Eles estão indo atrás de empresas americanas e pressionando para censurar mais. Os EUA têm as proteções constitucionais mais fortes para a liberdade de expressão no mundo… A única maneira de pressionarmos contra essa tendência global é com o apoio do governo dos EUA.”
Isso foi listado em sua declaração pré-preparada como a sexta mudança de política, mas era claramente a mais importante — pois também explicava os outros cinco pontos, que incluíam abandonar a verificação de fatos e mover a moderação de conteúdo da Califórnia para um Texas “menos tendencioso”. Tudo naquela declaração foi para alinhar o Meta com os valores e prioridades da nova administração. (…)
E não é a única tática a serviço dessa estratégia comercial mais ampla. Os líderes de muitas empresas de tecnologia têm todo o interesse em promover o novo governo dos EUA e em enfraquecer a determinação na UE. Estados-membros com líderes simpáticos a Trump, como Hungria e Itália, estão sendo cortejados igualmente para que a política da UE possa ser enfraquecida de dentro.
Os gigantes da tecnologia estão adotando essa estratégia robusta não porque são fortes — eles sabem que, como o X no Brasil, não podem enfrentar nenhum governo ou sistema legal determinado em um mercado significativo e vencer. Eles estão fazendo isso porque sabem que são fracos e que precisam de aliados. Seu modelo de negócios depende disso.
E como os modelos de negócios da maioria das plataformas de mídia social exigem engajamento acima de tudo — pois sem engajamento não é possível ter mineração de dados, monetização e publicidade — realmente não importa que o engajamento seja gerado e amplificado por desinformação e fake news.
Moderação e checagem de fatos são caras. Se as plataformas de mídia social fossem obrigadas, sob pena de sanção legal, a fazer tal moderação e checagem de fatos funcionarem, então essa seria a maneira comercial de avançar. Corporações internacionais tenderão a cumprir com a lei aplicável, e a despesa de conformidade é um custo de negócios.
Mas não ter tais procedimentos e políticas em vigor é muito mais barato e lucrativo. Então, se eles puderem evitar tais obrigações, eles o farão — e se o lobby “suave” não funcionar, então eles procurarão os governos para fazer coerção.
Se Meta e X estivessem confiantes em evitar as imposições regulatórias da UE, do Brasil e de outros lugares, eles não precisariam apoiar Trump e a nova administração. O fato de que eles estão fazendo isso aberta e sem pedir desculpas — na verdade, sem vergonha — significa que eles sabem que têm um desafio. Eles sabem que certos governos estrangeiros e sistemas legais são capazes de vencer qualquer batalha regulatória frente a frente.
Pois, como mostra a rendição de Musk e X aos tribunais brasileiros, o poder estatal provavelmente sempre vencerá as plataformas se testado. Mas essa foi uma situação extrema: a regulamentação é um fenômeno contínuo, e casos judiciais emocionantes e dramáticos devem ser uma exceção.
As recentes nomeações no nível do conselho da Meta parecem que ela está se preparando para uma batalha, e uma na qual seu atual modelo comercial exige que ela derrote os objetivos de governos estrangeiros. As novas nomeações fazem muito sentido estratégico.
E se essa situação for bem interpretada, com o governo dos EUA intimidando outros estados em benefício das plataformas, essa é uma batalha e uma guerra que as empresas de tecnologia podem vencer — não por como exploraram seus pontos fortes, mas por como cobriram suas fraquezas.
A questão agora é se a UE, o Brasil e outros têm determinação e estômago para o que se tornará uma disputa pública multinacional feia. (…)