
Final distópico de And Just Like That… reafirma seu diálogo com o presente
por Carolina Maria Ruy
O final da série And Just Like That…, que encerrou uma história iniciada em 1998 com Sex and The City, trouxe reflexões que merecem ser comentadas.
O último capítulo (lançado em 14 de agosto) gerou um anticlímax surpreendente. Confesso que esperava desfechos mais inspiradores, com Carrie Bradshaw bem-sucedida no trabalho, pensando à frente e, principalmente, vivendo uma independência leve.
Não foi o que aconteceu. O episódio imprimiu uma imagem dramática da protagonista: sozinha em um grande apartamento vazio, usando um vestido de festa que, deslocado de seu contexto, realçou o peso da solidão. Naqueles minutos finais, assistimos também à desconstrução da ideia romântica sobre o Dia de Ação de Graças que o cinema americano costuma exaltar. O Thanksgiving surgiu como uma obrigação deprimente e enfadonha — o que, para muitos, pode ser verdade. Assim, o episódio rasgou a série com um realismo desconcertante. Classifiquei-o como “distópico” — uma distopia em relação à utopia de Sex and the City.
Ironicamente, considerei-o uma proposta interessante, que reafirmou a vocação da série de se conectar com seu tempo e, a despeito de todo o glamour, com o frescor da vida real. Mas o vício por desfechos redondos, que satisfazem a parte do raciocínio dedicada ao entretenimento, somado às exigências impostas às mulheres, resultou em uma enxurrada de críticas ácidas e acusações ferinas, tanto nas redes sociais quanto na imprensa.
Foram muitas as reclamações de anônimos. Muitos internautas acusaram a série de não ter conseguido manter a personagem Samantha Jones (interpretada por Kim Cattrall), apesar de sua ausência não ter prejudicado a trama. Novas personagens, como Lisa Todd (Nicole Ari Parker) e Seema (Sarita Choudhury), mais do que supriram a falta da quarta amiga: elas trouxeram graça, diversidade e novas dinâmicas à história. Ainda assim, o ódio típico das redes sociais fez com que a personagem de Cattrall pairasse sobre And Just Like That… como um fantasma em uma casa mal-assombrada — e essa não é uma boa lembrança sobre Samantha Jones.
Os grandes jornais também foram implacáveis. “And Just Like That termina sem fazer justiça a Sex and the City”, publicou a Folha de S. Paulo. “Retorno e decepção: como a série And Just Like That… arruinou o legado de Sex and the City”, disse O Globo. “And Just Like That pareceu pedido de desculpas por diversão de Sex and the City”, criticou o The New York Times, em texto reproduzido pelo Estadão.
Não vi sentido na maior parte dessas observações e não acho que elas atinjam eventuais problemas que a série possa ter. Avalio que And Just Like That… foi fiel a Sex and the City, considerando a época de cada programa e a fase da vida das personagens. Questões próprias da idade e da vida urbana aparecem no enredo, mas algumas pessoas interpretaram isso como um sinal de decadência em relação à produção original.
De modo geral, as críticas soam como cobranças excessivas, alimentadas por uma cultura de intriga sobre mulheres — e entre mulheres — e até como machismo. Todavia, rolam soltas e impiedosamente.
Um exemplo são as críticas publicadas no artigo do New York Times. Ali, a jornalista Jennifer Weiner lista “defeitos” que, para mim, revelam incompreensão da proposta. Segundo ela:
- A sequência “matou” o Mr. Big, que era o amor de Carrie, deixando-a desolada — e precisando de uma cirurgia no quadril;
- Miranda entrou em espiral de alcoolismo e embarcou em uma jornada de autoconhecimento sexual;
- Charlotte lidou com “filhas mimadas e exigentes” e com um marido com câncer de próstata, o qual “vimos molhar as calças” (nas palavras do artigo);
- “O reboot foi uma caminhada desanimadora por um mundo de dor, onde todos os prazeres de uma mulher, todas as suas realizações e sucessos, vieram com um custo.”
São críticas espantosas, para não dizer cruéis e desrespeitosas. O que a jornalista não entendeu é que, na vida real, pessoas morrem; cirurgias podem ser necessárias; o alcoolismo é um problema enfrentado por muitos; autoconhecimento sexual pode acontecer em qualquer idade (e é bom que seja assim); adolescentes podem ser desafiadores; o câncer de próstata atinge milhões de homens e pode ter consequências, como a incontinência; e, sim, o sucesso das mulheres muitas vezes cobra um preço. Um artigo ofensivo como o do New York Times, por exemplo, faz parte desse preço.
Os defeitos apontados fazem ainda menos sentido quando lembramos que, na série original, a vida das protagonistas também não era fácil. O encanto de Sex and the City nunca esteve na ausência de dificuldades, mas na forma inteligente e sensível com que elas lidavam com elas.
Manter uma história no ar por 27 anos foi um grande feito. E o legado real de Sex and the City e de And Just Like That… foi a construção de um referencial sobre mulheres independentes, que lidam com seus próprios problemas sem perder a graça, o charme e a humanidade. Sem perder, sobretudo, a amizade sincera entre elas.
Carolina Maria Ruy é jornalista, pesquisadora e coordenadora do Centro de Memória Sindical.
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