Cerca de 200 moradores da Favela do Moinho, no centro de São Paulo, receberam o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nesta quarta-feira 26, ao som de gritos de “2026, é Lula outra vez”. A visita, marcada por críticas indiretas ao governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), antecipou um duelo entre palanques que deve se repetir em 2026.
O Moinho abriga hoje cerca de 900 famílias. A ocupação começou nos anos 80, quando funcionários do antigo Moinho Central passaram a viver nas instalações desativadas da fábrica. Em 2011, o prédio principal foi demolido por ordem do então prefeito Gilberto Kassab. Restaram apenas duas torres — antigos silos industriais.
Durante o ato, Lula fez um apelo a Tarcísio para que os silos não sejam demolidos. “Tem que ser um memorial, para marcar a resistência dessa comunidade”, disse. Subiu o tom, porém, ao criticar a repressão promovida pelo governo paulista – e ironizou a pressa em desocupar a área. “Por mais que seja bonito um parque, ele não pode ser feito às custas do sofrimento de um ser humano.” Tarcísio, que optou por comparecer a outra agenda, em São Bernardo do Campo, retrucou, reivindicando para si a coragem de agir onde “ninguém teve coragem”.
Lula condicionou a cessão definitiva do terreno à comprovação de que os acordos foram cumpridos com respeito e segurança para as famílias. O acordo firmado prevê que cada uma das cerca de 900 famílias da Favela do Moinho poderá escolher um imóvel de até 250 mil reais, totalmente subsidiado pelo poder público. Desse valor, 180 mil virão da União e os 70 mil restantes do governo estadual.
Leidivânia Domingas Teixeira, moradora há dez anos, viu no discurso do presidente uma chance de permanência digna. Mãe de duas crianças, ela tenta encontrar um apartamento no bairro dos Campos Elísios, onde a favela está localizada, para manter os filhos na escola. “A creche fechou e tem muita criança triste”, relata. A família sobrevive apenas com o salário do marido, que trabalha limpando vidraças no Aeroporto de Guarulhos.
Segundo ela, a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU) dificulta o acesso a moradias fora dos conjuntos públicos. “Ainda não fizemos o cadastro porque, se a casa não for nos empreendimentos deles, eles complicam.” A moradora denunciou também pressão para desocupação imediata: “Diziam que tínhamos que sair até o dia 28 deste mês”. Com o anúncio de Lula de que os moradores poderão comprar imóveis na planta, com entrega prevista em até 24 meses e sem pressa para desocupar, ela se animou. “Agora dá até gosto procurar uma casinha.”

O presidente Lula (PT) e o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos). Fotos: Paulo Pinto/Agência Brasil e Pablo Jacob/Governo do Estado de SP
O comerciante Manuel Viana, morador há 21 anos e conterrâneo de Lula em Garanhuns (PE), participou do ato emocionado, mas fez críticas ao governo federal. “Se tivesse vindo antes, talvez evitasse a covardia que fizeram aqui.” Ele ainda não obteve carta de crédito para si e seus filhos, que construíram suas casas na favela.
“Vi meus meninos trabalhando dia e noite para levantar cada bloco dessas casas, não é justo sair de mãos vazias e ainda com dívida.” Após um acidente de trabalho, Manuel deixou a profissão de pintor de fachada e passou a viver do bar que mantém na entrada da comunidade. Com a remoção em curso, teme não conseguir recomeçar. “Só saio daqui com uma solução para os meus filhos.” Ele defende a regularização da área: “Queríamos o título da terra para continuar aqui”.
Rita Conceição, que tem deficiência física e faz tratamento em unidade do CAPS nos Campos Elísios, também está sem carta de crédito. Recusou as condições oferecidas pela CDHU. “Queriam tirar a gente à força, não aceitei.” Rita diz que sair da região tornaria sua rotina inviável. “Aqui faço tudo a pé. Tenho dificuldade de pegar ônibus, decorar ruas. Já conheço tudo aqui.” Ela lembra com dor a operação policial ocorrida há poucas semanas, em plena Sexta-Feira Santa: “Foi uma tortura. Tem criança traumatizada até hoje”. Para ela, a repressão teve viés social. “Fomos tratados como bandidos porque somos pobres.”
Comerciantes também não receberam alternativas do governo estadual. A proposta inicial incluía financiamento em até 30 anos, com parcelas de 300 reais mensais. Após a intervenção do governo federal, o plano passou a prever subsídio integral — mas isso não resolveu para todos. Cintia Bomfim, que perdeu uma padaria que mantinha há dez anos, tem carta de crédito de 250 mil reais. Buscou imóvel para abrigar a família e reabrir o negócio, mas não encontrou opções viáveis em São Paulo. Agora, prepara mudança para Sorocaba. “Nunca fui, nem sei como chegar, mas é onde achei uma casa que dá para pagar.” Ela espera abrir outra padaria, mas ainda se ressente. “Não foi justo o que fizeram com os comerciantes. Pelo menos não ficamos endividados.”
Para o advogado Vitor Nery, do Escritório Modelo da PUC-SP, a solução do governo federal foi um avanço possível, mas não ideal. Ele defende a regularização fundiária como melhor alternativa. “Cada tijolo aqui foi erguido pelos moradores. Reconhecer isso seria uma forma de justiça.” Ele critica a ausência de um plano que mantivesse a comunidade na região. “Se o governo quer fazer um parque aqui, é porque a área pode ser readequada. Por que não pensar em algo que incluísse quem já vivia no local?”
Caroline Silva, 25, deixou a favela há dois meses, quando as remoções se intensificaram. Trabalha como auxiliar administrativa e mora em pensão perto do emprego, enquanto busca um imóvel de até 250 mil. Formada em Direito, estuda para o exame da OAB. “Minha vida está aqui. Não faz sentido ir para longe.” Segundo ela, a visita de Lula deu sensação de respaldo. “Se dependesse do governador e do prefeito, a gente não teria ganho nada.” Ela alerta para o risco que outras comunidades enfrentam. “Se o terreno não fosse da União, não teria acordo.”
A deputada estadual Ediane Maria (PSOL), atingida por bala de borracha durante operação policial no local, afirmou que a comunidade foi alvo de “terrorismo psicológico” e usada como arena política. “Fomos tratados como criminosos por lutar por moradia”, criticou. Para a parlamentar, a mobilização dos moradores foi decisiva. “A Favela do Moinho mostrou o que é resistência coletiva.”