A expansão do regime de Microempreendedor Individual (MEI), instituído para facilitar a formalização de pequenos empreendedores e autônomos, já representa um passivo de R$ 711 bilhões para a Previdência Social, de acordo com cálculo feito pelo economista Rogério Nagamine, ex-subsecretário do Regime Geral da Previdência Social (RGPS). A projeção foi divulgada em estudo publicado pelo Observatório de Política Fiscal do FGV Ibre e citado em reportagem do jornal Folha de S.Paulo.
O valor pode atingir R$ 974 bilhões caso se confirme um crescimento real de 1% ao ano no salário mínimo. Em cenários de longo prazo, o déficit acumulado poderá chegar a R$ 1,9 trilhão em até 70 anos, caso não haja revisão nas regras do regime.
“O MEI, do ponto de vista estrutural, é uma bomba previdenciária”, declarou Nagamine à Folha. Segundo ele, o modelo, ao exigir contribuição de apenas 5% sobre o salário mínimo, não garante o equilíbrio entre arrecadação e benefícios pagos pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Atualmente, a categoria reúne quase 12% dos contribuintes do sistema, mas responde por apenas 1% da arrecadação total da Previdência.
Crescimento acelerado e baixa contribuição
Desde sua criação, em 2009, o número de microempreendedores individuais cresceu de 44 mil para 16,2 milhões registrados até junho de 2025. O valor pago mensalmente pelos contribuintes do MEI equivale a cerca de R$ 70 em 2025, dependendo do setor de atividade. Esse valor dá acesso a todos os benefícios do regime geral, incluindo aposentadoria por idade, auxílio-doença, salário-maternidade e pensão por morte.
Adriane Bramante, conselheira da OAB-SP e do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), explicou a distorção com base nos critérios mínimos exigidos para aposentadoria: “Se você tem contribuição de 5% por 180 meses, que é o mínimo para se aposentar por idade, o trabalhador vai desembolsar R$ 18 mil e depois vai receber um salário mínimo para o resto da vida. Em um ano ele recebe de volta o que pagou”.
Bramante reconheceu que o MEI cumpriu papel de inclusão social, principalmente para pessoas que não se enquadram como contribuintes facultativos. No entanto, alertou para o uso indevido do regime: “Há um desvio de conduta, isso realmente está errado. Tem pessoas que não conseguem fazer plano de saúde como pessoa física porque os planos não aceitam mais. Então elas abrem um MEI para ter um plano”.
Impacto no mercado de trabalho formal
O estudo também aponta que a expansão do MEI tem impactado o mercado de trabalho celetista. Em setores como estética, beleza e educação, empresas estariam substituindo vínculos empregatícios por contratações via MEI. Nagamine citou a chamada Lei do Salão Parceiro como exemplo de regulamentação que fortaleceu esse modelo: “Tem também muitas ocupações de curso superior. Vejo faculdade privada que está parando de contratar professor com carteira e pegando MEI”.
A pejotização, segundo o estudo, ganhou força com o aumento da informalidade e a flexibilização nas regras de prestação de serviço. A situação pode se agravar com projetos em tramitação no Congresso Nacional que preveem a elevação do teto de faturamento do MEI dos atuais R$ 81 mil para até R$ 130 mil, além da autorização para contratação de dois funcionários. Para Nagamine, a tendência é que esse tipo de proposta avance em anos eleitorais, ampliando os efeitos fiscais do modelo.
Comparação com o BPC e críticas ao custo fiscal
O economista também questionou a tese de que é preferível contar com a arrecadação do MEI do que oferecer o Benefício de Prestação Continuada (BPC) a trabalhadores de baixa renda. “Embora o BPC não gere arrecadação, ele não inclui benefícios como 13º salário, pensão por morte, auxílio-doença e salário-maternidade, o que limita os gastos públicos”, explicou.
No caso do MEI, todos esses benefícios são garantidos com base em uma contribuição reduzida. “Por isso, o aumento da despesa pode até ser maior do que a pequena arrecadação que o MEI gera”, concluiu Nagamine.
Posição do governo e cenário futuro
Até o fechamento da matéria, os Ministérios da Previdência Social e do Empreendedorismo não se pronunciaram sobre o estudo. A ausência de resposta oficial reforça a incerteza sobre eventuais medidas para reequilibrar o regime previdenciário.
O debate sobre a sustentabilidade do sistema ganha força em um contexto de envelhecimento da população, informalidade crescente e avanço de modelos alternativos de contratação. Apesar dos alertas técnicos, propostas de revisão do MEI enfrentam resistência política e social, devido ao impacto direto sobre milhões de trabalhadores que dependem da modalidade.
A discussão sobre o futuro do regime segue aberta, com expectativa de que novos dados sejam apresentados em audiências públicas no segundo semestre de 2025.