Por Janelson Ferreira
MST/Via Campesina
Nesta sexta-feira (27), teve início em Jaru, Rondônia, a oitava edição da Festa
Camponesa. A atividade, organizada pela Via Campesina, terá em sua programação
feira de alimentos saudáveis, culinária da terra, apresentações artísticas, mesas de
debates e oficinas.
Ao todo, mais de 500 camponeses contribuem na organização do evento. Além de
camponeses, estão envolvidos ribeirinhos, indígenas e estudantes da UNIR. Nesta
edição, também há a participação de representação de militantes da Colômbia e da
Bolívia.

Ao longo de três dias, as famílias camponesas levarão para Jaru, cidade com mais de 50
mil habitantes, toda a diversidade da produção de seus territórios. Derivados de
mandioca, café, frutas típicas da Amazônia, culinária da terra e vários outros alimentos
serão comercializados com a população da cidade.
No sábado (28), a partir das 16h30, ocorrerá a troca de sementes. Para o momento,
famílias de todo o estado levarão sementes para serem trocadas. Na última edição da
Festa, em 2023, foram mais de 350 variedades presentes, todas crioulas. Já no
domingo (29), a partir das 9h da manhã, haverá o Café Camponês, no qual as famílias
camponesas ofertarão gratuitamente um banquete produzido com alimentos
saudáveis.

Na mesa de abertura, Débora Nunes, da direção nacional do MST (Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra), e Luiz Novoa, historiador e professor da UNIR
(Universidade Federal de Rondônia) contribuíram com a análise do contexto político
atual e o avanço do capital.
“O Congresso quer acabar com a possibilidade de Lula governar”, afirmou Novoa.
Segundo o professor, as elites do país defendem uma ideia de que a destruição de
políticas sociais liberará maiores recursos para eles. “No fundo, o empresariado gostou
de Bolsonaro e Paulo Guedes e querem aquelas políticas de volta”, destacou.
Novoa ainda destacou que há um enfrentamento direto às organizações populares.
“Os mercados não suportam nossa capacidade de organização social, a luta coletiva e
nossa ancestralidade”, ressaltou. “Dentro deste cenário, estamos encurralados pelo
Congresso e pelo mercado” finalizou o historiador.
“Além de termos um Congresso ruim, ele está se especializando em ser fantoche do
mercado financeiro e do agronegócio. Apesar de ter ministérios no Governo Lula, tem
seus interesses próprios”, destacou Débora Nunes.
Nunes apontou que esta ofensiva contra a classe trabalhadora não está restrita ao
Brasil. “A gente vivencia, no plano internacional, uma crise estrutural do capital e da
hegemonia do imperialismo dos Estados Unidos. É por isso que Donald Trump
anunciou que retomaria o controle do seu quintal, a América Latina. Esta é uma
decisão que atinge diretamente a soberania dos povos latinos”, explicou.
A dirigente apontou que, no Brasil, o agronegócio é expressão destas crises. “Desde os
anos 1990, o agronegócio é este modelo que transforma os bens da natureza e os
territórios em mercadoria, sem preocupação com quem está no meio do caminho”
disse.
Segundo o IBGE, em 2000, a produção de soja em RO era de 50 mil hectares. Em 2024,
este número subiu par 450 mil, ou seja, um crescimento de 900%. O milho, ocupava
300 mil hectares em 2024. Já o feijão estava restrito a somente 5 mil hectares e a
mandioca, 30 mil hectares.
“Questão ambiental é sobre disputa política e de poder” apontou pesquisadora
Letícia Tura, pesquisadora diretora executiva da ONG FASE, apontou que o
agronegócio é o principal responsável pela destruição ambiental no Brasil. Tura
participou da mesa “Capital, mudanças climáticas e a resistência dos povos”, ao lado
de Océlio Muniz, dirigente do MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens).
De acordo com dados do MAPBiomas, em 2024, Rondônia apresentou uma redução de
mais de 50% no desmatamento, comparado com 2023. No entanto, o estado ainda
registrou uma destruição de mais de 20 mil hectares no período. Em 2024, o estado
também registrou o maior número de incêndios nos últimos 14 anos. Foram mais de 7
mil focos de incêndio entre janeiro e setembro, de acordo com o INPE. Somente em
Porto Velho, capital, foram mais de 2 mil focos.
Segundo Tura, a questão ambiental e fundiária são dois lados da mesma moeda. “Não
teremos solução se não revertermos este eixo de sustentação econômica, baseado no
agronegócio”, apontou a pesquisadora.
“Camponeses, ribeirinhos e indígenas não são causadores da crise climática, mas
somos os mais impactados por ela”, lembrou Océlio Muniz. Segundo o dirigente, o
poder público não está preparado para enfrentar as mudanças climáticas e quem sofre
com isso é o povo que mais necessita.
“Se não discutirmos alternativas viáveis para enfrentar de forma comunitária e
pressionar o poder público não teremos solução. E este será mais um caso de expulsão
do povo da terra”, ressaltou.

“Fomos formados por intervenções violentas”
É a oitava vez que a Via Campesina organiza a Festa Camponesa naquele que é
considerado um dos estados mais conservadores do país. No segundo turno das
eleições presidenciais, em 2022, Jair Bolsonaro teve 70,5% dos votos – o quarto estado
onde o candidato teve maior votação.
De acordo com Débora Nunes, isto destaca a importância de seguirmos fazendo a
disputa das ideias com a sociedade. “As eleições se encerraram, mas a disputa
ideológica continua. Precisamos retomar a perspectiva popular de diálogo com a
sociedade”, apontou.
Rondônia é também um dos estados com maior número de CACs (caçadores,
atiradores e colecionadores) registrados. Se em 2018, haviam 5 mil CACs registrados,
este número saltou para 25 mil em 2022. Tal crescimento está fortemente vinculado
ao avanço do agronegócio e ao discurso da “autodefesa da propriedade rural”.
“Fomos formados por intervenções violentas e isto determinou quem manda no
estado”, refletiu o professor Luiz Novoa. “Estas rodovias, as hidrelétricas, os portos,
fizeram com que indígenas, ribeirinhos e pescadores se tornassem uma massa de
miseráveis”.
Orcélio Muniz também destacou como os grandes projetos conformaram um estado
excludente. “Estamos um território no qual o povo está sendo expulso para dar lugar a
projetos que não geram riqueza para todos”, explicou.
Tanto as usinas hidrelétricas Santo Antônio (inaugurada em 2012) como a Jirau
(inaugurada em 2016) causaram grandes impactos. Enquanto a primeira provocou
alteração no ciclo do rio Madeira (um dos mais importantes da Amazônia), afetando
comunidades ribeirinhas, a segunda forçou o deslocamento de indígenas do povo
Karipuna.
“É por tudo isso que precisamos falar em justiça climática”, finalizou Muniz.