O peso do cuidado: mães exaustas, saúde em risco e a urgência por uma nova lógica do trabalho

Dados revelam que mães brasileiras, especialmente as negras, carregam sozinhas o cuidado e enfrentam jornadas exaustivas que colocam sua saúde em risco

Por Fernanda Regina*, no site do Cebes

A lógica do trabalho dentro desse sistema que transforma o direito à vida em mercadoria é um tema urgente.

Num modelo que privilegia a produtividade em detrimento da saúde, há um grupo ainda mais vulnerabilizado — e os números não negam essa realidade: as mães estão no centro dessa sobrecarga estrutural.

Neste dia Dia das Mães, é necessário analisar a realidade das mulheres no Brasil e como o patriarcado e o sistema capitalista têm sido privilegiados em seus domínios.

O relatório “Indicadores Sociais das Mulheres no Brasil”, do IBGE, divulgado em 2024, mostra que as mulheres dedicam, em média, quase o dobro de tempo que os homens em tarefas domésticas e no cuidado de pessoas.

Em 2022, as mulheres dedicaram 21,3 horas semanais a essas atividades, enquanto os homens dedicaram 11,7 horas.

Outro fator importante é que no Brasil mais de 11 milhões de mulheres criam seus filhos sozinhas, segundo dados da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Em 2023, mais de 172 mil crianças foram registradas sem o nome do pai na certidão de nascimento, evidência de um abandono que muitas vezes começa ainda no útero.

A responsabilidade pelo cuidado, pelo sustento e pela gestão da vida familiar recai quase exclusivamente sobre essas mulheres.

Dentro destes números, há ainda um dado que não pode ser negligenciado: a maior parte destas mães são negras. A pesquisa demonstra que entre os anos de 2012 e 2022, 90% das mulheres que se tornaram mães solo são negras.

Submetidas a jornadas exaustivas como a escala 6×1 — seis dias trabalhados para um de descanso —, essas mães enfrentam a quase impossibilidade de equilibrar trabalho, cuidado, autocuidado e crescimento pessoal.

São mulheres que, além da sobrecarga física, veem-se privadas do tempo para si — para estudar, descansar, conviver e existir de forma plena. O impacto desse modelo é devastador.

A pesquisa “De Mãe em Mãe”, conduzida pela pesquisadora da USP Giliane Belarmino, revelou que 97% das mães se sentem sobrecarregadas quase todos os dias e 94% relatam estar esgotadas.

Realizada com mais de 800 mulheres em todo o país, a pesquisa mostra ainda que 75% das entrevistadas têm comportamentos explosivos seguidos de culpa.

“A saúde mental materna não pode ser entendida como uma questão individual, mas sim como reflexo de condições estruturais de suporte, políticas públicas e dinâmicas familiares”, aponta Carla Straub, da diretoria ampliada do Cebes e professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Adoecer virou rotina

Segundo o Ministério da Previdência Social, o Brasil, em 2023, registrou 288.865 novos benefícios concedidos por transtornos mentais e comportamentais — um crescimento de 38% em relação ao ano anterior.

Os dados incluem afastamentos por incapacidade temporária ou permanente e refletem uma epidemia silenciosa de exaustão e adoecimento psicológico. É nesta lógica que as mulheres estão inseridas com todas as suas demandas as mais, como cuidado com filhos e outros membros da familia.

Para Itamar Lages, sanitarista e integrante do Cebes-Recife, esses números refletem o esgotamento de um modelo produtivo que desumaniza.

“A pessoa vive doente, muitas vezes com doenças crônicas como hipertensão ou diabetes, que se agravam porque ela simplesmente não tem tempo para cuidados básicos. A lógica produtivista está adoecendo as pessoas”, afirma.

Itamar retoma o conceito ampliado de saúde defendido pelo Cebes desde a fundação do SUS, que vai muito além da ausência de doença. Saúde é tempo livre, qualidade de vida, vínculos afetivos e participação social. Ele defende que a reorganização do tempo de trabalho é uma pauta urgente de saúde coletiva.

“O direito ao ócio, como dizia Domenico De Masi, é o direito à saúde”, pontua.

Um futuro com tempo para viver

Diante do cenário de adoecimento coletivo e da sobrecarga enfrentada por milhões de trabalhadores e, sobretudo, trabalhadoras no Brasil, cresce a mobilização por mudanças estruturais na jornada de trabalho.

Um passo recente e relevante nesse sentido foi dado pela Comissão de Trabalho da Câmara dos Deputados, que instaurou, nesta última quarta-feira (7), uma subcomissão para analisar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 8/25, que propõe o fim da escala de trabalho 6×1.

A medida marca o reconhecimento institucional de que o tempo — ou a falta dele — é hoje um dos principais vetores de sofrimento psíquico e adoecimento físico no país.

É nesse contexto que avança a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 8/25, de autoria da deputada Erika Hilton (PSOL-SP), que propõe o fim da escala 6×1 e a adoção de quatro dias de trabalho para três dias de descanso.

Trata-se de colocar o cuidado e a vida no centro do debate público.

Como afirma Itamar Lages, “precisamos resgatar valores humanitários e civilizatórios. O trabalho deve organizar a sociabilidade, mas jamais roubar o tempo e a saúde das pessoas”.

A defesa da redução da jornada de trabalho é também a defesa da saúde como um direito humano universal — e não como privilégio de quem sobrevive ao cansaço.

A PEC não é apenas uma proposta legislativa — é um grito coletivo por dignidade. Ela propõe uma reorganização do tempo que permitiria às pessoas, especialmente às mulheres-mães, respirar, cuidar, conviver, estudar, viver.

Texto: Fernanda Regina/Cebes

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Last Update: 10/05/2025