A Favela do Moinho, no centro da cidade de São Paulo, amanheceu nesta quarta-feira 14 sitiada — mais uma vez — por agentes da Polícia Militar, mesmo após o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos interromper a cessão do terreno à gestão estadual comandada por Tarcísio de Freitas (Republicanos).
Moradores ouvidos por CartaCapital relatam que policiais militares ocuparam o território às 5h e fecharam as vias que dão acesso à área, impedindo a entrada e a saída de moradores. Com a insistência dos residentes, os agentes liberaram a saída mediante revista, incluindo nas mochilas de crianças e jovens estudantes. O acesso da imprensa ao território também foi limitado.
“O pessoal que está lá dentro não sabe o que fazer e cada vez mais estão subindo carros da polícia”, disse MC Xarada, ex-morador do território, que acompanha a ação na entrada do Moinho.
Enquanto isso, agentes da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano, a CDHU, continuam o processo de demolição de moradias desocupadas. Na manhã desta quarta, o governador em exercício, Felício Ramuth (PSD), afirmou à CNN Brasil que a suspensão da cessão do terreno pelo governo Lula não altera o cronograma.
“A cessão do terreno da Favela do Moinho ao governo de São Paulo não tem nenhum vínculo com a oferta de moradia e dignidade aos moradores do Moinho”, alegou. “Continuaremos nossas ações focados na melhoria de vida destas pessoas. As transferências continuam, bem como a demolição dos imóveis vazios que foram construídos em desacordo com o código de obras do município.”
À CNN, sem fornecer detalhes, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) justificou a continuidade da desocupação do Moinho como um passo para interromper o tráfico de drogas que se concentra no território e alimentaria o fluxo da Cracolândia.
Questionada por CartaCapital, a CDHU se limitou a afirmar que propôs o reassentamento voluntário das famílias da Favela do Moinho, com a adesão de 90% dos moradores. “Até agora, 181 famílias já se mudaram do Moinho. As ações seguem em andamento normalmente. A discussão sobre a futura destinação do terreno poderá ocorrer paralelamente, sem prejuízo às medidas em curso.”
A reportagem questionou a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo sobre o impedimento do acesso de moradores e manifestantes à Favela do Moinho, mas não obteve retorno. O espaço segue aberto.
Entenda a disputa pela Favela do Moinho
Localizada sob o viaduto Engenheiro Orlando Murgel, entre as linhas 7-Rubi e 8-Diamante da CPTM, nos limites dos bairros de Campos Elíseos e Bom Retiro, a Favela do Moinho abrigava pouco mais de 800 famílias. Trata-se da última comunidade no centro da capital paulista.
A área da favela pertence ao governo federal, razão pela qual surgiu o diálogo em torno da cessão do terreno à gestão de de Tarcísio de Freitas, que deseja desocupar o local para transformá-lo em um parque. O projeto faz parte do plano do bolsonarista de mudar a sede do governo estadual do Palácio dos Bandeirantes, no Morumbi, para o Palácio dos Campos Elíseos, próximo à favela.
O governo de São Paulo iniciou em 22 de abril a remoção das 813 famílias alocadas no território. A justificativa é que a área precisa ser desocupada por razões de segurança, incluindo a circulação dos trens.
Para concluir a remoção, a Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação ofereceu “opções” aos moradores: Carta de Crédito Individual, Carta de Crédito Associativo, Apoio ao Crédito em parceria com os programas federais e Auxílio-Moradia Provisório de 800 reais, até que os conjuntos habitacionais estejam prontos — alguns estão previstos para o fim de 2027.
A associação que representa os moradores, porém, considera os valores insuficientes para pagar um aluguel no centro e argumenta que essas pessoas não têm condições de arcar com um financiamento de longo prazo, uma vez que muitas delas vivem do comércio local.
De acordo com a CDHU, 86% dos moradores aderiram. Muitos se dizem, porém, arrependidos: porque não querem se afastar do centro ou porque temem não conseguir honrar a dívida, a ser quitada ao longo de 30 anos. Outro ponto de contestação é o menor acesso a creches, oportunidades de trabalho e infraestrutura necessária para as famílias nas zonas em que as novas moradias foram 0ferecidas.
Após a repercussão negativa da truculência policial vista na terça-feira 13, o governo Lula (PT) anunciou que paralisará a cessão do terreno. Na ocasião, o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, chefiado por Esther Dweck, criticou o modo como o governo Tarcísio conduz a desocupação da área.
“O governo federal não compactua com qualquer uso de força policial contra a população”, diz a pasta. Desde o início da negociação, afirma o MGI, a Secretaria do Patrimônio da União “deixou explícito que a cessão da área estava vinculada à condução de um processo de desocupação negociado com a comunidade e transparente”.