O Céu da Selva, novo romance da escritora cubana Elaine Vilar Madruga, começa com uma citação de Medeia, de Eurípedes – tragédia grega, datada de 432 a.C., que traz uma perspectiva sombria da maternidade.

A referência tem todo sentido. Elaine, nesse seu segundo romance lançado no Brasil – o primeiro foi A Tirania das Moscas (Instante, 224 págs., 69,90 reais) –, constrói uma fantasia sombria na qual a função da maternidade anda de mãos dadas com o terror.

O cenário central do livro é uma casa junto a uma floresta que, de tempos em tempos, ganha vida, tinge-se de vermelho e exige o sacrifício de uma pessoa – que é devorada pela selva para que os demais possam continuar a viver em paz. Não há como fugir daquele lugar.

A cada capítulo a autora muda o ponto de vista da narrativa. Ora ela cabe a um personagem, ora a um grupo – caso das crianças que esperam o momento de ser entregues à selva.

A fantasia também se impõe aos personagens. Há, por exemplo, uma garota que declinou de sua humanidade para tornar-se “a cachorra”.

Em uma prosa límpida que transita entre o lírico e o horripilante, Elaine ­Vilar Madruga investiga um mundo apocalíptico no qual a função da maternidade é fornecer alimento para a selva.

O Céu da Selva. Elaine Vilar Madruga. Instante. Tradução: Marina Waquil. (240 págs., 74, 90 reais) – Compre na Amazon

Trata-se de uma metáfora poderosa das mães periféricas que criam seus filhos em meio às adversidades, conscientes dos riscos e injustiças que os cercam.

Os poucos personagens masculinos têm uma posição privilegiada: cabe a eles engravidar as mulheres, para que sejam geradas mais e mais crianças que possam ser sacrificadas.

Há também a avó delas, identificada no romance apenas como “a velha”, uma figura desesperada, marcada pelas visões deploráveis que teve ao longo da vida. O ciclo de opressão, exploração e martírio parece condenado a se repetir para sempre.

As mulheres de O Céu da Selva procuram ter domínio sobre a própria existência, mas são sufocadas por algo milenar que, talvez, só por meio da violência extrema pode ser superado.

Dona de uma escrita que constrói imagens marcantes num cenário de uma fantasia soturna, Elaine Vilar ­Madruga, nascida em Havana em 1989, é uma autora capaz de criar mundos e, ao mesmo tempo, enfrentar, de forma concreta, alguns dos grandes dilemas contemporâneos. •

Publicado na edição n° 1360 de CartaCapital, em 07 de maio de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Fantasia soturna sobre o mundo real’

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Last Update: 30/04/2025