
Quase um ano após o acidente aéreo que matou 62 pessoas em Vinhedo (SP), um ex-auxiliar de manutenção afirmou que uma falha no sistema de degelo foi omitida do diário de bordo (TLB) horas antes da decolagem do voo 2283 da Voepass, na madrugada de 9 de agosto de 2024, conforme informações do g1.
De acordo com o testemunho, o comandante do voo 2293 reportou à equipe que a aeronave havia apresentado “airframe fault” durante o voo, alertando que “foi acionado e ela desarmava”, um comportamento anormal do sistema de degelo.
Segundo ele: “Essa aeronave nunca tinha apresentado esse tipo de falha, né? Só que no dia do acidente, quando essa aeronave chegou de Guarulhos para Ribeirão, ela foi reportada verbalmente pelo comandante que trouxe ela. Foi alegado que ela tinha apresentado o airframe [fault] (alerta emitido quando há problema no degelo) durante o voo. E ela estava desarmando sozinha. Ele acionava [o sistema] e ela desarmava. Coisa que não poderia acontecer.”
Mesmo assim, como o alerta foi verbal e não registrado no diário de bordo técnico (TLB), a liderança de manutenção ignorou o problema, conforme as normas regulatórias exigem registro formal para medida corretiva.
Com base em registros do Flightradar e no relato do ex-funcionário, a sequência foi a seguinte:
- 00h12 – decolagem de Guarulhos
- 01h00 – pouso em Ribeirão Preto; falha de degelo relatada verbalmente pelo piloto
- 01h–05h30 – aeronave no hangar; aviso ignorado
- 05h32 – decolagem para Guarulhos
- 06h35 – pouso em Guarulhos
- 08h20 – decolagem para Cascavel
- 11h56 – decolagem de Cascavel rumo a Guarulhos
- 13h22 – queda em Vinhedo
Falha ignorada por pressões internas
O ex-auxiliar relatou que havia pressão da diretoria para que os voos fossem realizados sem atrasos, mesmo com falhas técnicas não registradas: “Era a própria diretoria que exigia isso, queria o avião voando. Então, assim, eles nem pesquisaram [o problema no sistema de degelo].”
A equipe de manutenção, com poucas horas para agir, decidiu não investigar o problema por não constar formalmente no TLB.
“O próprio líder questionou: ‘Bom, se ele não reportou em livro, não tem pane na aeronave’. Esse era o legado da empresa: se o comandante reporta, tem ação de manutenção; se não reportou, eles não vão perder tempo com nada que ele falar”, disse.
O ex-funcionário concluiu: “Se o piloto reporta, essa aeronave tinha ficado aqui [em Ribeirão Preto] ou ela não teria ido para o destino final que ela foi. Então, assim, com certeza um acidente poderia ter sido evitado.”
Quebra técnica e limites da segurança
Durante o voo fatal, a perícia constatou que o sistema de airframe de-icing foi acionado três vezes, mas aparentemente não funcionou.
Carlos Eduardo Palhares Machado, do Instituto Nacional de Criminalística, declarou: “Eles estarem voando em uma altitude, uma altitude que tem gelo, em uma condição de gelo severo, e ter apertado por três vezes e, muito provavelmente, aquele dispositivo não ter funcionado, isso é muito relevante do ponto de vista do que causou… do que pode ter causado o acidente.”
Além disso, o Cenipa destacou que a caixa-preta captou conversa dos pilotos mencionando a falha e a situação crítica de gelo: “bastante gelo” foi dito por um dos tripulantes pouco antes da queda.
Histórico de problemas e investigação
A aeronave era conhecida internamente por falhas recorrentes, como tail-strike e despressurização, além do uso constante de ACR (Ação Corretiva Retardada) para driblar manutenções programadas. O funcionário afirmou: “Ela saía com uma lista gigantesca de ACR… Já ia voar com problema.”
Atualmente, a Polícia Federal investiga possível crime na omissão do TLB, enquanto a Anac já cassou o certificado de operação da Voepass. O Cenipa continua com a análise técnica e a PF apura qual participação humana levou ao acidente. O delegado Edson Geraldo de Souza resumiu:
“Embora, num primeiro momento, nós saibamos já desde o início o que levou à queda do avião, agora é entender como houve a ação humana… e quem são as pessoas que estão relacionadas a essa ação humana.”