A cada dia que se passa fica mais nítido que o problema do machismo ou da homofobia tem servido para aumentar a repressão do Estado, o recrudescimento das penas, a criação de novos crimes e a censura. Mulheres e LGBTs, no final das contas, não ganham efetivamente nada.
Diante disso, tudo que é dito neste âmbito (ou seja, falado ou mesmo pensado), se na cabeça de alguém for machismo ou homofobia, a repressão tem que ser acionada imediatamente. No caso da imprensa golpista, este bedel ideológico é a Sra. Milly Lacombe, muito famosa desde o episódio com Rogério Ceni (relembrar é machismo, lógico) e que, na grande imprensa, é apresentada como a régua moral do identitarismo.
Segundo ela, ao tratar recentemente do caso Abel no Internacional, o clube “compactuou com o machismo e a misoginia de Ramon Díaz ao optar por não demiti-lo de pronto quando ele disse, com pompa, que futebol não é para mulheres”.
Por outro lado, a CBF “ignorou o horror e o resultado foi, dias depois, termos que testemunhar Abel Braga repetir o desperate. Futebol não é para viados, disse Abel. Futebol não é para bichas, maricas, mulherzinhas. Futebol não é para fracos”.
Segundo ela, em um cálculo penal, haveria, no caso, “homofobia + misoginia embora o noticiário só esteja se referindo à homofobia. Um combo de lama moral que aconteceu porque nem Inter nem CBF agiram publicamente quando Díaz, dias antes, fez a declaração criminosa”.
Notem o caráter penal e repressivo da colocação de Lacombe. Abel, Internacional, a CBF e quem mais pensar algo parecido deveria responder penalmente pela opinião, perder direitos trabalhistas, sofrer censura.
Tanto é assim que ela emenda: “agir seria demitir Díaz e explicar que foi demitido porque o Inter não tolera misoginia e, na chegada de Abel Braga, educá-lo sobre os motivos da demissão do anterior com uma mini-aula sobre misoginia”. Como se educação fosse mudar a realidade social de LGBTs e mulheres. E quem daria essa aulinha, Lacombe? Quem deveria ser o tutor moral de nossas consciências?
Ela acha que a “CBF deveria ter soltado um vídeo” dando aulinhas sobre misoginia, e que a CBF deveria dizer que “está trabalhando em punições aos que cometerem atrocidades assim (…) Esse tipo de ação teria evitado o crime de Abel Braga? Não podemos garantir, mas provavelmente sim”.
Embora não seja possível identificar Milly Lacombe com alguém de esquerda, ela se passa por isso. Mas, no final das contas, a proposta dela para reduzir o machismo e a homofobia é a cadeia, a repressão, quando o mundo todo já percebeu que isso, a repressão, não reduz nenhuma prática tida como delitiva. Muito pelo contrário.
“Vamos lembrar que Samir Xaud fez questão de defender publicamente Ancelotti da xenofobia. Homens heteronormativos defendendo a honra de outros homens heteronormativos. Isso eles fazem com rapidez e orgulho.”
No parágrafo acima, a ideia de Lacombe (ideia que está gasta, por bem) é jogar uns contra os outros. Ou seja, o homem hétero contra a mulher. O homem hétero ao ouvir essa aulinha de Lacombe se sentiria culpado, o que, obviamente, não vai acontecer. C
Caberia uma reflexão racional sobre o problema. Só em 2024, quase 1.500 mulheres foram assassinadas, e elas fazem parte de um total de 44 mil assassinatos. Quer dizer, o problema realmente é o que Abel disse, o que o Inter e a CBF fizeram ou deixaram de fazer? Claro que não.
Por fim, como parte do plano repressivo geral que assolou o país desde a chacina do Rio de Janeiro, Lacombe, em seu sonho de PEC das facções de homens, diz que “nos últimos dez dias o Brasil assistiu a uma série de assassinatos e agressões feitas por homens contra mulheres. Trata-se de um extermínio que está acontecendo debaixo dos nossos olhos. Quando pessoas importantes no futebol escolhemos calar diante de declarações criminosas como as de Díaz e Abel, elas escolhem promover o extermínio. Ligar esses pontos não é difícil, mas seria preciso ter duas coisas que faltam a muita gente: coragem e cognição”.
O que ela disse de forma viscosa é: o que Abel falou ajuda a matar mulheres. O que é falso. Falar é uma coisa, fazer é outra. Uma coisa é opinião, e outra é ação. E, por fim, a opinião de Abel não é resultado nem causa do assassinato de mulheres. Essa é uma malandragem argumentativa de baixo nível. Ela “ligou os pontos” em pura traquinagem identitária. Na verdade ela “esticou a corda”.
Já que tudo é um problema de opinião e pensamento, como diz Lacombe, basta instaurar a censura completa, demissões, repressão e as aulinhas obrigatórias com a professora Lacombe que nunca mais uma mulher seria assassinada, nenhum negro seria morto pela polícia, nenhum LGBT seria alvo de discriminação. Será mesmo?